terça-feira, 19 de outubro de 2010

A favor da vida

Ninguém mentalmente são é contra a vida.
Repito: ninguém mentalmente são é contra a vida

(por mentalmente são considero aqueles que não sofram de transtornos psíquicos que interfiram na sua capacidade de discernimento).

Ora, se ninguém mentalmente são é contra vida e consideramos que os dois candidatos a presidência não sofrem de transtornos psíquicos graves, porque esse tema tomou conta do debate eleitoral?


Vamos por pontos: o primeiro é que "ser contra a vida" não passa de um eufemismo para "ser a favor do aborto" mas, existe alguém que seja simplesmente "a favor do aborto"? Existe alguém que queira "matar criancinhas" ou fazer "holocausto dos bebês"? (usando os termos correntes dessa eleição bizarra).

- Ai Josicleide, você é favor do aborto?
- Tipo assim, sou super a favor! Acho que todo mundo devia fazer porque tá super em voga, é a tendência pra esse verão. Vai dizer que você nunca fez menina?

Não. ninguém é simplesmente "a favor do aborto". Nenhuma mulher faz aborto porque acordou com vontade ou porque tá na moda. Existem muitos motivos (que não caberia elencar aqui) que levam uma mulher a decidir abortar e, maioria delas que decide fazer isso, acaba fazendo. As que tem grana pagam um médico que faça e quem não tem grana recorre aos mais diversos métodos alternativos (de agulha de tricô a chute na barriga).

Fato é que cerca de duas mulheres são internadas por dia vítimas de métodos alternativos e centenas morrem todo ano pelo mesmo motivo. E o que o Estado deve fazer? Essas eleições dão a entender que o Estado deveria prender essas mulheres ou fingir que nada está acontecendo. Fazendo isso não estariam atentando contra a vida delas também? Uma mulher merece morrer por ter feito um aborto?

Convido vocês, junto comigo, a vestirem os lindos óculos da antropologia: existe algo chamado relativismo cultural. Em culturas distintas ou mesmo dentro de uma mesma cultura (como é o caso) pessoas costumam ter interpretações distintas sobre um mesmo conceito. Usando um exemplo bem chulo, mas didático: algumas etnias indígenas usam o alargador na orelha para simbolizar poder, enquanto no nosso meio urbano é usado como símbolo de diferença ou como ornamento.

E o que o aborto tem a ver com o alargador do índio? Tudo.


O conceito de "vida" é muito, mas muito diverso: muito mais que do alargador.

Para uma corrente do budismo tudo que se mexe sozinho tem vida. Ou seja, matar um pernilongo ou a sua mãe são o mesmo tipo de atentado a vida. Para os nazistas apenas os arianos tinham direito a vida, ou seja, judeus e negros podiam ser mortos sem problema moral algum. E assim vai...

O que acontece hoje no Brasil? Algumas religiões consideram o feto um ser humano vivo e por isso o aborto seria um atentado contra a vida. Enquanto outras pessoas fazem cálculos de qual mês o feto pode ser considerado vivo e outros ainda dizem que só é vivo depois de ser parido.

1) Todas essas pessoas, com todas essas interpretações sobre a vida, são brasileiras.
2) O Estado brasileiro é laico, assim deve atender as demandas dos brasileiros de todos os credos (aqui abro espaço para ser veementemente criticado pelos ilustres sociólogos e politicólogos visitantes)

Logo....

O Estado deve emergencialmente fazer algo na saúde pública no que diz respeito ao aborto e os candidatos ao governo devem apresentar de forma clara suas propostas sobre isso.

Regulamentar o aborto não vai obrigar ninguém a fazer o aborto. As religiões contrárias ao aborto poderão continuar sendo e seus membros poderão continuar sem fazer aborto. Essas mesmas religiões poderão continuar a defender seu ponto de vista do que é vida e todos aqueles que compartilharem dele não abortarão. Simples. Essa mesma regulamentação vai evitar que as centenas de mulheres que não concordam com essa interpretação da vida de sofrerem sequelas ou de morrerem.

Sem a regulamentação:
Quem não quer abortar não aborta. Quem tem motivos pra abortar vai abortar e pode morrer.

Com a regulamentação:
Quem não quer abortar não aborta. Quem tem motivos pra abortar vai abortar e não vai morrer.

Quais delas é mais "a favor da vida"?
Tendo uma posição que considere o feto uma vida, vamos fazer a conta:
Sem a regulamentação são duas mortes.
Com a regulamentção é uma morte.

Um comentário:

  1. Caro o Estado deveria ser laico. Não sou das humanas, mas percebe-se que em nossa política e outros países a política se confunde com religião. Não existe Estado que em sua formação conseguiu se desprender da religião a atender demanda de todas, se existe me exemplifique.
    Sou a favor da vida, e lógico que sua conta esta correta.

    ResponderExcluir