quarta-feira, 12 de março de 2014

Talvez

Talvez acorde,
Talvez levante,
Talvez saia e desça a rua,
Talvez suba.

Talvez converse com a sempre elegante atendente do café,
Talvez a falta de coragem me inflija novamente.
Talvez me recupere do medo que talvez um dia tenha tido.
Talvez continue com a sempre aparente falta de habilidade de seguir em frente.

Talvez siga em direção ao nada e,
Talvez no nada encontre uma forma de talvez desencontrá-lo.
Talvez por lá encontre uma paz de espírito que talvez não tenha.
Talvez lá ache aquilo que um dia perdi pelo caminho.

Talvez, e só talvez, um dia deixe o talvez de lado e siga...
Mas só talvez.

domingo, 9 de março de 2014

Afasia


Certo dia, uma criança perguntou o motivo de eu rir com o nariz. Desde então, e isso é comprovado pelas fotos, passei a reparar que realmente minha boca tá sempre fechada. Os sons que emito no riso (risss), ao concordar (aham), discordar (ãã) ou reprovar(ham), proveem todos da minha garganta. 

"Abre a boca pra falar" e "Fala pra fora", já escutei inúmeras vezes. Mas o fato é que eu não sei lidar com essa questão aí, de emitir sons pela boca. Falar nunca foi o meu forte, quer dizer, sempre foi o meu ponto mais fraco. Tanto que na escola fui apelidado de mudinho. Lembro que, na chamada oral de tabuada, o meu pavor era muito maior por ter que falar alto, do que pela matemática em si. 

Dada minha condição de mudez, ressaltada pelos professores, por um período frequentei a fonoaudióloga. Ela falava que meu pensamento era rápido, por isso eu tinha preguiça de o expor com a voz, que estava sempre atrasada. A receita foi eu ter menos preguiça pra falar e, sendo ou não verdade, nunca houveram resultados satisfatórios. Com o tempo passaram a aceitar, talvez o silêncio fosse mesmo a minha sina. 

Não é que eu nunca fale, perguntem minha opinião sobre a Dilma, o Papa ou a Ana Maria Braga que se arrependerão de tanto me ouvir. A questão é que, com tantas partes do corpo pra se expressar, por que escolher justamente as cordas vocais? Admiro muito vozes, por outro lado, mas as dos outros. Sotaques falados e cantados fazem muito bem quando me chegam pelos ouvidos.

Sou fascinado por palavras, sempre fui, mas acho que comigo elas ficam melhores assim, escritas. Parece que elas fazem mais sentido, são mais palavras. Quando eu falo elas deixam de ser palavras, pra se tornarem vento, um vento destrambelhado e sem propósito. O grande problema é que ultimamente tenho dependido, e muito, do uso da voz.

Estou escrevendo isso porque, no momento, preparo uma apresentação: já busco, desde o início, equilibrar a deficiência de voz com o resto. Pior que falar só mesmo falar em outra língua. Tenho extrema facilidade em ler e escutar vozes gringas, mas não venha me pedir pra to speak, parler, hablar ou te spreken. Eu mesmo, até hoje, não sei bem o motivo. Não é timidez e nem é de propósito. É assim porque é assim, simplesmente. Na maior parte do tempo, falar não me apetece.

Mas isso não impede que, volta e meia, surjam calorosos debates familiares sobre a real motivação dessa falta de voz. A mais recorrente é a de que "puxou o avô", que também era simpatizante da mudez (aham). Outra teoria é que minha língua presa não facilita a comunicação, só que Lula ta aí pra provar o contrário (ham). Mas a minha preferida é que, como minha família fala bastante, eu opto por ficar quieto pra evitar a fadiga de disputar a fala (risss).

De fato, de todos os motivos, o que mais estimula a me manter mudo é ter que disputar a vez na fala. Isso vale pra mesas de bar, salas de aula e ceia de natal: se todos querem tanto falar, que falem, fala que eu te escuto. Como já disseram, eu sou "bom em ficar quieto".

sexta-feira, 7 de março de 2014

Peço perdão, mulher

Mulher,

Não parece caber a mim dizer pelo que você deve lutar hoje, ou o que este dia deve representar para você. Antes, minha consciência, ainda deformada, me suplica que eu peça teu perdão. 

Peço perdão pelas piadas sexistas que reproduzi incansavelmente em certos momentos.
Peço perdão também por quando as ouvi e hesitei em argumentar em teu favor.
Peço perdão por quando te reduzi a objeto de prazer, por quando deixei meu egoísmo ofuscar tua dignidade.
Peço perdão pelas vezes que supus que serviço doméstico era papel teu, jamais meu.
Peço perdão por cada ofensa no trânsito, ao atribuir ao teu gênero o que não diz respeito a ele.
Peço perdão por quando, por comodismo ou omissão, fui conivente com tuas jornadas triplas de trabalho, com teus baixos salários, com tua exploração doméstica.
Peço perdão pela indiferença à qual acabo cedendo eventualmente.
Peço perdão porque, a todo tempo, tiro conclusões a teu respeito sem antes escutar como te sentes.
Peço perdão porque, tantas vezes e de tantos modos, fui passivo quanto à opressão que sofres.
Peço perdão pelas vezes que não quis te ouvir, conhecer teus gostos, desejos, vontades.
Peço perdão por quando ignorei teus gritos por liberdade.

E enfim, mulher, peço perdão porque hoje meu remorso é maior que minha alegria.

Por tudo que te fiz, que não fiz e que pressupus erroneamente a teu respeito, eu peço perdão.