sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Estado e Crime Organizado em Tropa de Elite 2


Boa tarde, meus caros.

Como muitos sabem, não sou um cinéfilo e pouco entendo de estética cinematográfica. Já adianto, assim, pedidos de desculpas pelas limitações desta postagem. Posto isso, vamos a ela.

Não gostei muito do primeiro Tropa de Elite, por diversos motivos: pelo olhar simplista lançado sobre o problema do crime organizado no Rio, reduzindo-o ao tráfico de drogas; pelo enfoque moralista lançado sobre o consumidor dessas drogas, responsabilizando este pelo problema da criminalidade e da violência; e, consequentemente, pela legitimação da violência policial frente a este caos, cuja culpa é atribuída aos indivíduos que, por questões sociais e psicossociais diversas, se envolvem no consumo e no próprio funcionamento do tráfico. José Padilha, roteirista e diretor, negou por diversas vezes essa intenção, por muitos denominada de 'fascista'. A corrupção policial, embora apontada, não aparece no seio do problema - ou, pelo menos, não é tratada assim pelos personagens envolvidos. Ademais, a referência comum ao 'sistema', na narração de Capitão Nascimento, não se confirma na atuação do próprio personagem, o qual não tenta combater o tal 'sistema', mas permanece no âmbito da culpabilização e da resolução pela força física.



No segundo filme, Padilha parece se dedicar a corrigir alguns desses problemas: o crime organizado não se reduz ao tráfico de drogas, mas envolve uma ampla gama de relações sociais, políticas e econômicas que se dão por fora da legalidade; o problema da criminalidade, portanto, não é individualizado, mas o próprio enredo e a atuação dos personagens demonstram a amplitude 'sistêmica' da questão; a questão, portanto, não é da ausência ou fraqueza de um Estado nesses nichos de domínio do crime organizado, mas um envolvimento perverso do Estado, por meio da corrupção policial, do clientelismo político, da construção de redutos eleitorais, da manipulação midiática, etc. Enfim, o foco deixa de ser individualizante e passa a ser sistêmico - e, nesse sentido, o Sistema não se reduz à política, ou ao poder executivo, mas trata-se de uma rede de relações, na qual diversos segmentos da sociedade tentam fazer valer seus interesses. Assim, a análise simplista é abandonada e a questão da legalização da maconha deixa de ser uma proposta implícita para a solução dos problemas - o próprio Padilha afirmou, em entrevista, ser a favor da legalização, mas não por achar que isto seria uma solução ao problema do crime organizado. Além disso, a própria arbitrariedade do uso da força policial ganha, no enredo, um contraponto, dado pelas críticas de Fraga ao sistema carcerário e à postura da polícia carioca.

Há de se destacar, ainda, um enriquecimento do personagem Capitão Nascimento, o qual, de forma descontínua, evolui no decorrer da trama - oscilando entre uma velha postura de resolução pela força com uma visão crítica do 'sistema'. A oscilação tem um fim no clímax da história, em que Nascimento, um personagem em processo de fragilização, formula sua postura frente à relação Estado-polícia-crime. Nesse sentido, é excelente a atuação de Wagner Moura, o melhor trabalho do ator que já vi até agora.

Mas nem tudo são flores. Vejo alguns problemas no segundo filme. Em primeiro lugar, não se aborda explicitamente como o 'sistema' reproduz a marginalização econômica, fator decisivo no desenvolvimento desse tipo de criminalidade. A sujeição dos moradores das favelas às milícias é claramente possibilitada por uma situação de escassez de recursos, de ausência de alternativas de vida - e isso vale tanto para a criança que vira 'avião' quanto para a senhora que aceita transformar sua casa em comitê de campanha eleitoral. Acho limitada uma visão da criminalidade como fruto puro e simples da desigualdade econômica, mas não se pode ignorar que este fator é importante nesse tipo de análise. Apesar das cenas do filme fazerem essa associação, a narração de Nascimento e a luta daqueles que querem a superação não contemplam esse ponto.

Em segundo lugar, vejo um discreto maniqueísmo ideológico em algumas cenas: a postura de defesa dos Direitos Humanos - personificada por Fraga, o 'bem' na história - é associada à esquerda - na sala de Fraga há um quadro escrito 'Marighella Vive!'; há um adesivo do MST que aparece, ao fundo, em uma cena na sala de Fraga; Nascimento se refere a Fraga como 'intelectualzinho de esquerda'. Embora eu seja simpatizante do socialismo, acho complicada a associação esqueda-bem-direitos humanos, até porque muitos atentados à humanidade foram realizados por supostos socialistas.



No mais, recomendo Tropa de Elite 2. E, como alguém que pouco entende de cinema, peço que complementem e critiquem minha análise. Até porque assistir apenas uma vez pode ter sido insuficiente para captar todos os elementos que seriam necessários.


2 comentários:

  1. Olá Enrico.
    Gostei do texto, mas penso que voce aponta alguns pontos em caráter, em tom apenas introdutório. Como se mostrasse teses que o filme te suscitou, como se as elencasse para depois fazer uma defesa delas. A sua tese da passagem do individual para o sistêmico é interessante. A ampliação do problema para todas os segmentos da sociedade também é ótima, num entendimento de que o problema não é apenas o estado entendido como a atmosfera dos três poderes. Achei que a tese da oscilação do personagem do cap nascimento soou estranha porque o verbo oscilar é um tipo de movimento de contínua alternância entre sentidos contrários, nesse sentido, não há a possibilidade de clímax, ou fim, já que uma oscilação não ocorre para um fim. Talvez para construir a noção de fim de clímax voce possa usar "desenvolve-se a partir de ... para..."
    Bom, e por fim a tese do maniqueísmo ideológico deve dar muito pano pra manga...srs
    Mas, aí fica minha cutucadinha/sugestão: voce tem que pegar uma ou todas as teses teses e tecer uma defesa dela ou delas. Caso contrário, seu leitor fica limitado ao papel de aceitar ou não suas teses sem saber se ele concorda com ela pelos mesmos motivos que voce; Se ele concorda com a tese, mas discorda das premissas dela; Se ele concorda que as premissas podem ser obtidas no filme, mas não parecem necessariamente levar à tese que voce apresentou, etc. O texto parece ficar mais interessante ao leitor se voce lhe abre a possibilidade de julgar se sua tese, se as tuas impressões do filme parecem com as impressões dele e se foram fundadas nas mesmas fontes.
    Bom, é isso.
    Novamente, parabéns pelo post.

    Tennessee

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  2. Agradeço o comentário, Tennessee. Vou refletir com mais calma nesses pontos.

    Abraços!

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