quinta-feira, 10 de março de 2011

Sobre transporte e individualismo

Por esses dias lá estava eu, um pobre estudante universitário, gastando minha magra bolsa de pesquisa com o abusivo preço cobrado pelo transporte público de Campinas (uma viagem de ida e volta ao centro da cidade tem o mesmo valor que três dias de almoço pra mim). Desiludido com o fato de não termos acesso a meia passagem já que a prefeitura aparentemente não considera que estudantes universitários sejam estudantes (?), me deparei com um grande adesivo sobre a porta que dizia

“RESPEITAR O IDOSO É RESPEITAR A SI MESMO”

Antes mesmo de eu refletir sobre os inúmeros significados da frase, percebi outro adesivo que dizia

“VANDALISMO NO TRANSPORTE PÚBLICO: QUEM PAGA É VOCÊ!”

Sem desmerecer as duas campanhas, é inevitável traçar a semelhança que rege as duas frases: "Você", o leitor, se não segui-la será penalizado. Isso não é uma crítica aos publicitários responsáveis, pelo contrário, é um elogio a capacidade deles em atingir exatamente aquilo que mais importa na sociedade ocidental contemporânea: o EU.

Se o jovem usuário do ônibus não dar lugar a senhorinha idosa, ele ficará com peso na consciência de no futuro um outro jovem não lhe dar o lugar. E, só por isso, cederá. O anúncio não leva o usuário a uma reflexão sobre a condição de um espaço público porque sabe que justamente essa reflexão não terá resultado algum. Colocar o jovem em contato com a alteridade de um idoso e a suas dificuldades de locomoção, logo, a prioridade no transporte público só iria fazê-lo bocejar. Se o "EU" não for ameaçado, o OUTRO que se dane. Do mesmo modo, uma conscientização sobre a função de um ônibus como transporte público dentro da esfera urbana e a sua fundamental importância para a dinâmica social de uma cidade como Campinas não iria despertar nem mesmo a intenção da leitura. Agora, falar que o EU pagará alguma coisa por eventuais danos é direto e simples.

A propósito, o trânsito é um ótimo local de referência sobre esse assunto. Como ciclista, diariamente me deparo com motoristas estúpidos cuja arrogância é proporcional ao valor pago pelo carro. São dezenas de carros estacionados sobre as ciclovias, sem contar que levo em média 10 minutos para atravessar a rua diariamente, mesmo estando sobre uma faixa de pedetres.

Diz a famosa frase "O poder não muda as pessoas, apenas revela sua essência".
Ter carro, no trânsito, é ter poder.