terça-feira, 4 de outubro de 2011

Em defesa da sociologia

Senhor Reinaldo de Azevedo,

Antes de tudo, permita-me apresentar: sou recém graduado de Licenciatura em Ciências Sociais e no Bacharelado em Antropologia e atualmente curso o Bacharelado em Sociologia. Toda minha formação foi no estado de São Paulo, sendo a educação básica em instituições particulares e a superior no ensino público.

Venho através deste humilde Beco em que costumo me expressar, diferente da grande e glamurosa Avenida em que você escreve, discordar de alguns pontos levantados pelo seu recente artigo intitulado "O Brasil precisa de menos sociólogos e filósofos e de mais engenheiros que se expressem com clareza".

Se entendi bem, o senhor afirma que o ensino de sociologia no ensino médio seria inútil e a solução para isso seria aumentar a carga horária das aulas de português e principalmente de matemática para que se pudessem formar mais engenheiros e menos pensadores.

Bom, vamos por pontos, já que críticas direcionadas evitam generalizações.
O primeiro, claro, é nosso conceito de educação. A primeira impressão que tenho, já que o senhor não deixa isso evidente, é de que a sua concepção de escola ideal é aquela que vai direcionando seus alunos para o mercado de trabalho, ou seja, o aumento das aulas de matemática faria com que mais engenheiros se formassem. Bom, começamos a divergir aqui. Eu, por exemplo, nunca tive aula de sociologia na escola enquanto eram oito as aulas semanais de matemática e isso não direcionou a minha escolha profissional. Na minha concepção o intuito da escola é de iniciar aqueles jovens a esfera social, os apresentando ao mundo que os espera e aprendendo com suas reações. Achei um tanto curioso o fato do senhor citar Karl Marx para justificar seu argumento:

"Ele certamente diria que o mundo precisava mais de engenheiros que o transformassem do que de filósofos que o pensassem"

O senhor afirma que alguém que fosse verdadeiramente de esquerda defenderia a formação de trabalhadores como engenheiros ao invés de pensadores como os filósofos. Nesse ponto concordamos! Não sou um especialista em marxismo, só fiz as disciplinas básicas sobre o tema. Tenho colegas que poderiam fazer uma análise muito mais profunda e séria desse ponto, mas arriscarei umas palavras: Marx diz sim, e diversas vezes, que os trabalhadores são mais importantes para a transformação social do que os filósofos. Porém, o senhor esqueceu de um detalhe importante: para que esses trabalhadores façam a transformação social é preciso que tenham consciência de classe explorada e saiam de uma condição alienante e alienadora.

Veja só! Se diferente de mim o senhor defende mesmo uma concepção marxista de ensino, como deixa evidente no artigo (apesar de uma falha de interpretação), nossas propostas de educação podem se convergir.

Entendo que o maior objetivo do ensino de sociologia no ensino médio é despertar o senso crítico para todos os jovens que estão prestes a deixar a escola. Isso mesmo, para todos os alunos e não só aqueles que seguirão na área de humanas. E ter senso crítico não é necessariamente ser de esquerda: há na direita uma gama de grandes pensadores dotados do mais alto senso crítico. O objetivo do ensino de sociologia é fazer com que os jovens sejam capazes de olhar a realidade a sua volta e a questionem, ou seja, que não sejam passivos frente as informações que recebem e que sejam capazes de elaborar uma argumentação consistente na defesa de uma ideia. Isso evitaria, por exemplo, que milhares de pessoas lessem passivamente algumas revistas ou ainda assistem alguns telejornais sem questionar a neutralidade das matérias que são expostas.

Não sei se propositalmente, mas o senhor opõe no seu artigo "Engenheiros que se expressam bem" de "Filósofos que pensam". Ora, por que não engenheiros que pensam e se expressam bem? Em momento algum a sociologia defendeu, muito menos a marxista, que a formação de pensadores deveria ser superior a de trabalhadores. Aliás, os meus colegas mais engajados em movimentos populares defendem ardorosamente a formação técnica dos trabalhadores. A crítica feita é sobretudo ao caráter alienante de algumas condições de trabalho. Esse é o maior contra da especialização que o senhor tanto defende e ela é para ambos os lados. O que observamos hoje é uma total falta de conexão entre as áreas do conhecimento: são engenheiros sem nenhuma base "humana" com sociólogos sem nenhuma base "exata".

Outro ponto que critico é o caráter generalizante das suas análises. O senhor afirma que todos os professores usam suas aulas para propagar aquilo que chama de esquerdismo partidário. Isso é mentira e o senhor sabe bem disso. Eu sou sociólogo e não sou filiado nem simpatizante de partido algum. No colégio eu tive um professor de história que defendia o coronelismo da minha cidade, perpetuado por um partido de direita, com unhas e dentes. Ora, tanto ele não era esquerdista como de modo algum me convenceu de seu posicionamento. Não se pode menosprezar a capacidade de cognição dos alunos: eles não são papéis em branco onde o professor escreve o que quiser. Se há um problema tanto no professor esquerdista como no coronelista é a sua falta de profissionalismo e não a matéria que ministra.

Aliás, devo alertar que o senhor está mal informado sobre o Governo Alckmin: ele é muito, mas muito mais seu aliado do que nosso. Nesses 16 anos de governo do mesmo partido o que vemos é uma precarização crescente da área de humanas em contraposição a um vertiginoso aumento dos investimentos na área de exatas, sobretudo nas engenharias. Para isso basta acessar os indíces seja de salário, emprego e até mesmo financiamento acadêmico e de pesquisa. Quanto a educação soaria muito chavão eu dizer algo, basta visitar qualquer escola: são oito aulas de matemática contra uma aula de sociologia semanais.

Por fim, se permite uma crítica, me incomoda esses termos mesquinhos acompanhados de apelidos e broncas pessoais presentes na sua escrita: se sua intenção é fazer uma análise séria, essas coisas desqualificam seu trabalho. Tudo bem estarem presentes no seu blog, mas tenha mais cuidado ao publicar em uma revista com tamanha tiragem.

Atenciosamente,

Adriano Godoy