segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre vestidos e burcas

Como todos vêm acompanhando, o caso da aluna hostilizada por centenas de colegas tem predominado nos noticiários das últimas semanas. Por ter ido à universidade usando um vestido supostamente curto a aluna foi agredida verbalmente pelos alunos causando um grande alvoroço desnecessário. Não fosse a proteção policial, pelo entusiasmo dos envolvidos possivelmente as agressões também seriam físicas. Dias após esse triste episódio, os administradores da universidade resolveram expulsar a aluna, legitimando a ação dos agressores e punindo a vítima.

Enquanto isso na Europa, chamada de desenvolvida, o presidente Sarkozy declara em um discurso, seguido de uma grande salva de palmas do público, que “Burcas não tem lugar na França” prometendo proibir o seu uso em todo país. Em nome do chamado “Estado laico”, o governo francês vem adotando medidas anti-religiosas e ferindo veementemente a liberdade de expressão no país, principalmente as referentes ao Islamismo. Tendo proibido o uso de símbolos religiosos nas escolas, como crucifixos e véus, a intenção parece ser de alastrar tal medida para os demais espaços. Não bastasse o preconceito sofrido diariamente pelos muçulmanos, agora os estão privando de seus costumes mais básicos.

Esses dois casos revelam uma atitude preocupante e com proporções globais: em pleno século XXI as pessoas ainda não conseguem lidar com as diferenças e apelam para atitudes autoritárias. Se o uso de um vestido foi capaz de fazer seiscentos universitários agredirem uma pessoa, o que esperar de questões mais relevantes? Uma vez que um governo decide, declaradamente, coibir os cidadãos de suas práticas religiosas e oprimir as minorias, considerando suas práticas inadmissíveis, não é tarde para relembrar que há menos de setenta anos cerca de seis milhões de judeus foram perseguidos e mortos por um governo, com o apoio da maior parte da população, justamente por sua diferença religiosa, cultural e étnica.

Não cabe ao Estado dizer o que uma pessoa pode usar se essa atitude não estiver ferindo o direito das demais. Do mesmo modo, ninguém tem o direito de recriminar ou, pior, de penalizar outra pessoa por uma crença pessoal. Assim como a liberdade de expressão política, a liberdade religiosa é fundamental na construção de uma sociedade mais democrática e pluralista. A normatização dos costumes, longe de contribuir para a consolidação de um país, empobrece sua cultura e salienta os preconceitos. Mais grave que uma pessoa querendo impor sua opinião à maioria é a maioria impondo seus costumes à minoria através da força, sendo esta política ou não.

As diferenças são o motor da sociedade, responsáveis pela dinâmica social e por essa importância devem ser defendidas e respeitadas. Um homem que usa um crucifixo no peito deve ser tratado com o mesmo respeito que uma senhora muçulmana que usa uma burca, assim como uma estudante que use um micro-vestido.

Ao invés de estigmatizar ou tachar as pessoas por suas aparências, deve-se considerar as pessoas em sua humanidade. A sociedade é composta por seres humanos e é apenas nessa condição de igualdade que devem ser tratados. Nenhuma condição menor, como o vestuário, deve ser capaz de superar isso. Nenhuma crença ou modo de se vestir deveria ser imposto aos demais.

Parafraseando Martin Luther King, a humanidade pode ter sido capaz de criar arranha céus, tecnologias de ponta, desembrenhar o genoma o humano e fazer vidas em laboratório, mas ainda está longe de conseguir dialogar e respeitar o seu semelhante.

Obs: esse texto foi originalmente publicado em dezembro de 2009 no jornal O Momento de Cachoeira Paulista/SP. Republico pela entrada em vigor, hoje, da lei francesa que proíbe o uso de véus em locais públicos.