sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Conservadorismo e machismo


Recentemente, escrevi um post em que discutia sobre a existência de uma onda conservadora no Brasil. Um assíduo comentarista deste blog me escreveu um e-mail contestando meu argumento, e um dos pontos levantado foi dizer que ondas vêm e vão, e o conservadorismo nunca saiu do Brasil. Concordei com esse ponto, embora reconheço que nem eu, nem Chico Alencar, nem Marina Silva, nem o editorial da Istoé, usou o termo 'onda' nesse sentido, mas talvez em um sinônimo de 'fenômeno político-cultural que se fortalece'. No caso do conservadorismo, concordo que sempre foi forte, mas nessas eleições parece ser explicitado de uma maneira bastante enfática.

Antes de abordar dois casos lamentáveis inscritos nesse conservadorismo que se explicita cada vez mais, vou tentar esboçar uma breve definição. Entendo o conservadorismo, na nossa sociedade ocidental, como uma feição cultural - de implicações políticas relevantes - atrelada à manuntenção, à conservação, de valores historicamente construídos, como o machismo, a homofobia, o preconceito de classe, o preconceito étnico, um apego nostálgico à cristandade (o tempo em que a Igreja se confundia com o Estado e impunha seus valores a todos os setores da sociedade) e, como conseqüência, um medo da emergência de posturas políticas desconstrutoras de alguns dos valores que se quer conservar, bem como em relação às suas implicações legais e políticas.

As eleições recentes, portanto, vêm dando uma aula prática de conservadorismo, por parte dos dois candidatos que concorrem à presidência, talvez um pouco mais por parte de um que da outra, mas por ambos de todo modo.

Nesse contexto, encontra-se o primeiro caso, o mais sutil, que quero abordar aqui: a declaração de José Serra pedindo que cada menina bonita conquiste 15 votos de seus pretendentes para sua campanha. Ninguém nega que há um padrão cultural de beleza que se impõe às mulheres (e aos homens também, claro), sempre alimentado pelo mercado da moda e dos produtos de beleza através da publicidade e dos meios de comunicação, levando, nos casos mais extremos, à anorexia e bulimia por parte daquelas que incorporam de uma maneira mais radical essas imposições. Assim, há, objetivamente, um padrão de beleza feminina alimentado pelo mercado (não originado por ele) que gera consequencias psicologica e fisicamente trágicas. Os movimentos feministas, dentre outras reivindicações, visam a desconstrução desses valores culturais, assim como do valor negativo, histórico, da mulher enquanto objeto masculino, instrumentalizada para fins diversos. A declaração de José Serra, apesar de não trazer tão explicitamente esse tipo de postura condenável, legitima - pois se trata de um homem público, presidenciável - alguns valores conservados que se quer desconstruir. É lamentável esse tipo de declaração por parte de um candidato à presidência. O caso, evidentemente, não foi perdoado pelos twitteiros.



Mas, infelizmente, não foi este, nem de longe, o caso mais entristecedor da semana. A opressão das mulheres, em especial daquelas que não se enquadram no padrão cultural de beleza que deve ser descostruído, teve sua ilustração mais clara no caso do Rodeio de Gordas, ocorrido no torneio universitário Interunesp. O caso extrapola em muito uma mera situação de machismo, sendo um exemplo claro, a um só tempo da emergência e da decorrência, do que Boaventura de Sousa Santos (sociólogo português o qual tenho lido muito nas últimas semanas) denomina fascismo social:

"O fascismo social é um conjunto de processos sociais mediante os quais grandes setores da população são irreversivelmente mantidos no exterior ou expulsos de qualquer tipo de contrato social. (...) Se se permitir que a lógica do mercado transborde da economia para todas as áreas da vida social e se torne o único critério para a interação social e política de sucesso, a sociedade tornar-se-á ingovernável e eticamente repugnante, e, seja qual for a ordem que venha a se efetivar, ela será do tipo fascista" (SANTOS, B. S., A gramática do tempo: para uma nova cultura política, p. 192-193).



É difícil avaliar qual o real risco da difusão ou não desse 'fascismo social' de Boaventura. Contudo, cabe apropriar-se da idéia na luta pela superação de suas possíveis origens: uma postura político-cultural conservadora, legitimadora de determinados comportamentos segregadores, opressores, preconceituosos; e a prevalência da lógica do mercado nas relações sociais (Habermas talvez chamaria isso de 'colonização do mundo da vida pelo Sistema').

Este blog (creio poder falar em nome de todos) repudia os dois casos supracitados, em especial o segundo, pela violência física, pelo constragimento explícito, pela humilhação desumana.

Um abraço de solidariedade às mulheres vítimas dessa atitude deplorável.

Enrico Bueno.


PS: Mafalda para descontrair (?)

2 comentários:

  1. Enrico, gostei mto do texto. Esses dias eu estava bem triste por ver o quanto a lógica do mercado está tomando conta de mtas esferas da vida social.

    Um bjooooo

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  2. heheheh, Valeu, Loira...
    Coloquei a charge justamente pra dar outro exemplo disso, mas não valia a pena discorrer agora sobre o assunto "Educação" porque daria muito pano pra manga.
    Beijao!

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