sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O udenismo na política brasileira

Embora este blog vise a exposição de questões polêmicas por parte de seus blogueiros e comentadores, não faz mal ocasionalmente trazer textos alheios, quando estes contribuem para os debates deste imundo espaço. O post abaixo é do blog "Confissões aos 40" e faz uma crítica à postura recente adotada pela campanha de José Serra. É um texto interessante para refletir e problematizar as disputas eleitorais e o conteúdo de seu debate, tal como eu já abordei aqui.


O udenismo na política brasileira

(por Patrícia Andrade)

Criada em 1945 e extinta em 1965, a União Democrática Nacional (UDN) nunca deixou de rondar o panorama político do Brasil. Apoiado pelos setores conservadores da sociedade brasileira, o partido de Carlos Lacerda pautava suas ações pela defesa das teses liberais clássicas, pelo discurso amplificado da moral e do moralismo na política e, sobretudo, pelo golpismo.

Orador brilhante, Lacerda liderou uma oposição virulenta contra Getúlio Vargas, que culminou no suicídio do presidente em agosto de 1954. A chamada República do Galeão, inquérito Policial-Militar montado pelos oficiais da Aeronáutica no Galeão para apurar a autoria e os mandantes do atentado que matou o Major Rubem Vaz, não queria saber quem atirou em Lacerda e acabou acertando no militar no famoso caso da Rua Tonelero. Almejava, na verdade, derrubar o presidente Getúlio Vargas e, para tanto, passou por cima de todos os procedimentos legais e jurídicos. Montou uma verdadeira cruzada para sangrar até a morte o governo trabalhista.

Com pouquíssima sintonia com as massas, a UDN costumava lançar mão do artifício do golpismo para se firmar no cenário político. Os udenistas se insurgiram contra Juscelino Kubitschek, apoiaram Jânio Quadros para a presidência e converteram-se em braço civil do golpe militar em 1964. Infelizmente, o discurso radical de direita, que tem como cerne o julgamento moral e agressivo dos adversários, dando ênfase a uma só versão dos fatos e condenando a priori os desafetos, continua vivo na política brasileira.

O espírito de Carlos Lacerda, vez ou outra, reencarna em algumas figuras oposicionistas. Já reencarnou nos petistas, quando estes estavam nas trincheiras da oposição, e, nos últimos anos, esteve presente nas atuações de lideranças tucanas como Arthur Virgílio, José Agripino, Tasso Jereissati e Sérgio Guerra. Mais recentemente, incorporou-se ao candidato do PSDB à presidência José Serra, que parece se sentir confortável vestindo a fantasia de maestro da famosa banda de música da UDN.

Ao se arvorar em líder de uma insidiosa cruzada em nome da moral e da ética na política brasileira em pleno processo eleitoral, José Serra parece ter feito opção por arquivar de vez seu passado de lutas nas filas da esquerda democrática. Dando curso a teses de “golpismo chavista”, de “golpismo contra a mídia” e até disseminando o terror contido na boataria de que a adversária Dilma Rousseff poderia hipoteticamente se insurgir contra a liberdade da prática religiosa, o presidenciável tucano revoga sua biografia e se alinha com o que há de mais obscurantista e odiento na política.

Em paralelo a essa escalada verborrágica de direita, Serra segue com arroubos populistas e apresenta propostas como a do 13º salário do Bolsa-Família (programa antes duramente criticado pelos tucanos), o aumento do salário mínimo além das possibilidades de caixa da Previdência Social e de aposentadorias e pensões além do limite previsto no Orçamento da União.

O discurso moralista do udenismo é nocivo não porque seja pouco relevante a luta contra a roubalheira e pela ética na política. Essa bandeira é de fundamental importância e todos nós devemos defendê-la com vigor, exigindo a discussão séria e aprofundada de uma ampla reforma política, a adoção de mecanismos mais eficazes de controle das ações do Poder Público em todas as suas instâncias e de uma campanha educativa sobre os riscos dessa corrupção endêmica que assola o País. O moralismo desenfreado, passional e histérico da UDN e de seus neo-seguidores é perigoso porque passa por cima dos ritos democráticos e não contempla o direito de defesa das pessoas, julgando e condenando previamente todos os que não estão em suas fileiras. A oposição, nos últimos anos, agiu única e exclusivamente assim: de forma histriônica, sem apresentar qualquer proposta alternativa. Jogou o jogo do poder pelo poder – e só.

Não é saudável para a jovem democracia brasileira que o ambiente político esteja constantemente contaminado pelo fantasma da UDN. O espírito conciliatório do velho PSD deveria dar as caras de vez em quando também. Está faltando à nossa oposição um pouco mais de parcimônia, equilíbrio, espírito propositivo e construtivo de homens públicos que tiveram sua formação política nos bancos do PSD, como foi o caso dos saudosos Mário Covas, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek e, por que não dizer, de meu avô José Martins Rodrigues, líder pessedista na Câmara durante o governo JK.

O Brasil precisa urgentemente de uma oposição forte, consistente e responsável, capaz de ajudar na construção de um País melhor, mais justo, verdadeiramente desenvolvido e com instituições cada vez mais sólidas.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (IV)

Sem sombra de dúvida as maiores vítimas da intolerância religiosa, no Brasil de hoje, são os evangélicos. Não é raro ouvir no ponto de ônibus ou na mesa de uma cantina as dezenas de piadas existentes à respeito da sexualidade ou do modo de se vestir de algumas denominações evangélicas. Assim como a discriminação do uso do véu na França, a discriminação no Brasil se dá para o vestuário de algumas religiões evangélicas que não permitem o uso de calças nem o corte de cabelo curto para as mulheres, com o mesmo discurso de "emancipação feminina" (?) pressupondo, apenas pelo vestuário, que elas seriam subjulgadas e reprimidas.


Frases como "Jura que ele é crente? Mas parece ser tão inteligente!" refletem a consciência coletiva já instaurada de que os evangélicos seriam ignorantes, pouco instruídos e facilmente manipuláveis. E do outro lado, de maneira controversa (creio que devido ao casos recentes de prisão do fundador da IURD Edir Macedo e do casal Hernades, fundadores da Renascer) , a idéia de que todo Pastor seria um charlatão esperando a primeira oportunidade para lucrar com seus fiéis. Sem deslegitmar a prisão dos três, que pelo que parece foi legal, saliento aqui mais uma vez o erro de se generalizar a conduta de milhares de pessoas pelo caso isolado de três delas.

Essa intolerância religiosa parece estar presente em todos os âmbitos: boa parte das pessoas é incapaz de tolerar um evangélico sem alguma reação. Um exemplo recente é do jogador Kaká durante a Copa, diariamente vítima de chacotas à respeito de sua religiosidade e consequentemente sua sexualidade. A qualquer mínima oportunidade ele era de algum modo criticado por suas ações sempre pelo viés religioso.



Na política não é diferente. Muitos reagem com indiganação frente a existência da bancada evangélica no congresso como se, diferentemente da Bancada Ruralista e da Bancada da Bola, ela não pudesse existir. É um erro crasso, como já comentei em outra publicação, confundir o Estado laico com o Estado ateísta. O cidadão evangélico tem o mesmo direito de expressar suas opiniões e razões políticas dentro do campo democrático assim como qualquer um.

A música gospel também é um ótimo exemplo pela intolerância que é recebida. Músicas que pregam as mais diversas ideologias normalmente se não são aceitas, são toleradas em nome da liberdade de expressão. Mas a música gospel, que também prega uma ideologia, normalmente evangélica, nunca é perdoada. Pelo contrário, é usada até mesmo por programas de humor para gerar o riso. Aliás, o riso é o melhor meio de se detectar preconceito. Desde as piadas de judeus e negros até as de pobres e evangélicos, elas são sempre proferidas com tom de superioridade para aqueles socialmente concebidos como inferiores perpetuando as posições de dominante e de dominado. Ao meu ver, a Intolerância Religiosa para com os evangélicos se dá justamente por eles se destoarem da suposta homogeneidade cultural brasileira com fortes bases católicas. Um evangélico se destoa dessa uniformização e, como diria Mary Douglas, representa um perigo. Por representar um perigo é alvo fácil da maioria.


Isso pode ser facilmente percebido nas eleições tanto de 2002 como de 2010: na primeira o candidato Garotinho foi execrado pela mídia assim como perdeu milhares de votos por se denominar evangélico assim como na segunda a candidata Marina evita ao máximo divulgar sua religião ou defendê-la, temendo assim ter o mesmo destino. Por outro lado, Serra fala abertamente ser católico, já tanto FHC como Dilma que supostamente eram ateus passaram também a se denominar católicos. Nosso presidente sempre faz questão de terminar seus discursos evocando Deus ou algum santo. Tudo isso sem nenhum tipo de prejuízo eleitoral.

Ser evangélico no Brasil, hoje, é ser subversivo.

Continua?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Vida Acadêmica

Antes de entrar na faculdade, sempre tive a idéia utópica de que a vida universitária seria aquela época e ambiente  de liberdade, de incentivo criativo, de inovação, seja em qualquer área de conhecimento, de integração. Contudo, há cinco anos na faculdade hoje saio com uma visão diferente. 

Pode até ser que seja apenas o meu caso que esteja falando, mas por muito tempo essa minha 'visão' foi sendo jogada abaixo, seja pela dureza da vida acadêmica, seja pela onisciência de muitos professores 'deuses', seja pelos grupos restritos e estereótipos formados pelos próprios alunos.

Hoje somos, ou talvez apenas eu, restringidos a todo e qualquer instante nas nossas criações e pensamentos. Muitos usam a justificativa de que idéias e pensares novos devem ser feitos apenas no doutorado e livre docência. Mas por que esse tipo de determinação e rigidez da vida acadêmica? Há tempo certo para a criação ou há um ordem estabelecida que muitos tem tempo de vê-la questionada? Ou há todo um sistema de hierarquia que reproduz tudo aquilo que criticamos na sociedade?

O que determina uma maturidade, seja da idéia, seja intelectual, seja da vida? O que faz de nossos professores livre docentes, que recebem seus financiamentos de pesquisa, mais capazes de falar sobre as desigualdades das periferias, e não o próprio aluno de primeiro ano que vive essa realidade?

Não estou aqui questionando a validade das metodologias, do raciocínio bem formulado, etc., mas sim a própria validade de argumentação de análise. Neste exemplo, o que nos garante que a realidade vista pelo pesquisador seja mais verdadeira do que a realidade desse aluno? O fato de um ter diploma e o outro não?

Vemos os grupos estudantis, sejam organizações formais ou grupos que se encontram exporadicamente, se fechando entre si, sem espaço de troca, reproduzindo duramente e sem abertura nenhuma suas respectivas linhas ideológicas. Cadê a interação que um dia vislumbrei na universidade?

E esses grupos, além de se formarem entre cursos, como 'rixas', - ex: engenharias x medicina , todos x ciencias sociais, etc. - vão além, se fecham dentro dos próprios cursos: Os esquerdistas x os representantes do Psdb, os 'alienados' x os politicamente ativos. Qual a razão da falta de interação, da troca de informações, da falta de liberdade na argumentação, da POLÍCIA IDEOLÓGICA?!?!

Não reli o texto, mas são uns questionamentos que tenho. Quem sabe com as críticas posso pensar melhor.

Mas as principais perguntas que ficam e ficarão:

-Os limites impostos pelas titulações: até quando são válidos e representam coisas reais?
-As restrições entre si: qual a validade da discussão apenas entre iguais e o rechaçamento dos diferentes para nós que lidamos e falamos tão bem sobre a alteridade?

OBS póstuma: Apenas esclarecendo que estou falando aqui mais no campo informal. Por exemplo: Questiono as diferentes valorações para o mesmo discurso, variando apenas com o grau de titulação. Não fazemos a análise e damos o crédito necessário apenas para o discurso/argumentação em si, mas sim para o seu conjunto, juntamente de autor, renome, titulação, etc.
Longe de mim desvalorizar as titulações e falar que não há diferenciação entre os graus acadêmicos

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Nós

Quando a criatividade nos foge, fugimos para o belo:


i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
                                  i fear
no fate (for you are my fate, my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart (i carry it in my heart)


Cenas do filme Candy


E mesmo assim nos falta. Então continuamos:


E quando estamos quase lá, diante de tais eventos, vemos por traz a mediocridade que na qual estamos imersos:



O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Coitados de nós. Não fossem os Fernandos Pessoas, não haveria ninguém para nos esbofetear com nosso própria ignorância.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Post do Leitor

Conforme pedido, disponibilizamos este espaço para o leitor.


Plínio para Miss Brasil
(por Fernando Bizzarro)



Desde o início das campanhas eleitorais, parte significativa da esquerda tem gastado sua saliva para criticar o modelo de distribuição de tempo de TV para os candidatos à Presidência e também os formatos adotados pelas emissoras de televisão durante os debates e as coberturas jornalísticas da campanha. São dois os argumentos fundamentais: o primeiro dá conta de demonstrar que essa desigualdade no acesso aos meios de comunicação durante a campanha eleitoral não passa de uma estratégia da mídia burguesa para cercear os direitos dos candidatos dos trabalhadores durante a campanha, impedindo que estes apresentem suas propostas que contrariam os interesses da mídia e da burguesia a qual ela está vinculada; o segundo argumento, derivado do primeiro, é o de que essa forma de fazer campanha política é, na verdade, antidemocrática, porque não permite que os candidatos disputem os votos dos eleitores em condições de igualdade, valendo-se dos recursos e dos meios de comunicação com equidade, disputando “democraticamente” o voto do eleitor-espectador; consequentemente, Plínio, Zé Maria, Rui Costa Pimenta têm baixíssimo apoio eleitoral justamente porque lhes falta espaço para apresentar suas propostas.

Minha pergunta para quem critica a falsa democracia derivada da desigual utilização dos meios de comunicação é bastante clara: estamos falando de política ou de concurso de miss?

Sim, senhores, concursos de miss. Concursos de miss têm equidade. Todas as candidatas desfilam em trajes de banho, depois em trajes de gala, depois cantam, dançam e falam uma frase extraída diretamente da página 57 de um livro qualquer de citações. Todas fazem as mesmas coisas, têm os mesmos direitos, e deixam para os juízes a função de escolher aquela que melhor corresponde aos predicados exigidos para moças dessa estirpe.

Democracia, eleições, disputa política não são concursos de miss. Dizer que a desigualdade de condições no uso dos meios de comunicação é antidemocrática é um raciocínio falso. Mais verdadeiro é o raciocínio que percebe que a proposta de concurso de miss travestido de democracia é profundamente antipolítica.

Não nos esqueçamos, jamais, que a democracia é um regime da política. E enquanto tal, precisa dar conta dos elementos que compõe a política desde Maquiavel: precisa dar conta das relações de força, da dinâmica da sociedade e, no caso da democracia de massas, de um elemento implacavelmente desigual que é o apoio eleitoral.

Imaginar que só é democrático aquele regime no qual os eleitores se comportam como juízes de um concurso de miss, ou seja, o regime no qual os eleitores observam todos os candidatos igualmente e escolhem os que melhor preenchem os predicados previamente definidos é de uma ingenuidade atroz. A democracia é um regime político e enquanto tal não pode ser feito apenas por Polianas.

Nas últimas 4 eleições para presidente, PT e PSDB concentraram 80% do eleitorado. O PSTU teve 400 mil votos na sua candidatura à Presidente em 2006 (menos que Clodovil). Imaginar que é democrático que ambos disponham do mesmo tempo para apresentar suas propostas é jogar fora a força de cada proposta dentro do contexto democrático. Uma é a proposta de 50 milhões de brasileiros. Outra é a proposta de 30 milhões de brasileiros. Finalmente, a do PCO é a de 80 mil brasileiros. Sugerir que elas devam ter o mesmo tempo de televisão é, como já foi dito, ingênuo e antipolítico.

Por fim, para já esclarecer antes que algum comentário invoque a conclusão já apontada acima: não é o pouco tempo de televisão que faz com que o PSTU, o PSOL, o PCB não conquistem votos. Pelo menos não exclusivamente. Há um exemplo histórico no Brasil que mostra como que tal argumento é absurdo.

O PT nunca foi o partido preferido da burguesia. Pelo contrário, foi principalmente durante a década de 80 a principal esperança socialista no cenário político brasileiro (mesmo que o partido jamais tenha sido de fato socialista). E mesmo assim ganhou eleições, fez bancadas no parlamento, elegeu prefeitos, governadores, e, finalmente, elegeu o presidente da República. E nunca teve tanto tempo de TV assim. Só foi ter mais tempo de TV que o candidato do PSDB em 2006. Em 1989, 1994, 1998 e 2002 tinha menos tempo. E ainda assim ganhou eleições.

É, enfim, um argumento enganador por parte das elites partidárias e ingênuo por parte dos crentes, o de que sua baixíssima votação se deve à campanha da mídia burguesa. Se deve mais, isso sim, à incapacidade desses partidos de articular bases sociais, mobilizar eleitores, criar projetos para o país e falar a língua das pessoas.

Por 2 polegadas a mais, passaram a baiana pra trás...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Breves notas sobre Sarkozy



- A foto, copiada do portal UOL, foi tirada durante um protesto na cidade de Lyon, e traz o presidente francês Nicolás Sarcozy vestido de Napoleão Bonaparte.

- Sarkozy não vive seus dias mais populares, na semana em que seus correligionários legisladores tentam aprovar uma reforma da aposentadoria que precariza o direito dos trabalhadores e em que seu Senado aprovou a restrição do uso do véu nas ruas.

- Sarkozy, defendendo que o Estado é laico, põe em prática o Estado ateu, intolerante e repressor - comparando-se, talvez, à intolerância presente no interior de grupos religiosos extremistas. Caberia ao nosso colega estudioso das religiões aprofundar o tema.

- Na imagem napoleônica, o nome do imperador é trazido como Bonapartheid. Sarkozy, segundo o protesto, seria a síntese entre uma postura napoleônica e uma tendência à segregação e constrangimento étnico. (Sobre Sarkozy e o bonapartismo, ver aqui).

- Na família de Sarcozy, o motivo da alegria fica por conta de Carla Bruni, elogiada por Woody Allen em sua nova produção.

Sarkozy, não por acaso, bate recordes de impopularidade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pablo Neruda - Poema XX




Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
A noite está fria e tiritam, azuis, os astros à distância
Gira o vento da noite pelo céu e canta
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quiz e por vezes ela também me quiz
Em noites como esta, apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito
Ela me quiz e as vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos ?
Posso escrever os versos mais lindos esta noite
Pensar que não a tenho
Sentir que já a perdi
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela
E cai o verso na alma como orvalho no trigo
Que importa se não pode o meu amor guardá-la ?
A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo
A distância alguém canta. A distância
Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Para tê-la mais perto meu olhar a procura
Meu coração procura-a, ela não está comigo
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido
Já não a quero, é certo
Porém quanto a queria !
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido
De outro. será de outro
Como antes de meus beijos
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos
Já não a quero, é certo,
Porém talvez a queira
Ah ! é tão curto o amor, tão demorado o olvido
Porque em noites como esta
Eu a apertei em meus braços,
Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
E estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.

Beco

as entradas do beco
das saídas das portas
beco

confluências de opostos
encontros desiguais
beco

escuridão e umidade
luz e apagão
sem saída na parede
fechado para trás
beco

sábado, 11 de setembro de 2010

Eleições sem debate?


Meus caros,

A cada eleição que passa, o Horário Eleitoral mais se aproxima de telenovelas ou séries, com efeitos especiais, suspenses, discussões acaloradas, piadas, apelos emotivos... Falta só o debate político.

O próprio debate entre os candidatos em raros momentos toca em questões relevantes. Por exemplo, Dilma é perguntada sobre o aborto. "Nós temos uma lei de proteção da mulher e uma lei do aborto. É preciso encontrar um equilíbrio entre as duas." Ok, mas o que isso quer dizer? O que é esse equilíbrio? O que o governo federal vai propor ao Congresso a esse respeito? E, se não propor, como vai reagir caso chegue ao Executivo um projeto de lei aprovado pedindo a legalização?

Outro exemplo é José Serra, quando perguntado sobre se pretende realizar alguma privatização. "Eu nunca privatizei nada quando ocupei cargos no executivo". E daí? Não foi essa a pergunta. Você pretende ou não privatizar os Correios, por exemplo? Vai conceder as estradas federais à iniciativa privada? Responda à pergunta, oras.

Serra e Dilma, aliás, quando perguntados por Plínio sobre a desapropriação de terras de latifúndios com mais de mil hectares, adotaram posturas não muito diferentes. O tucano disse: "O Brasil tem terras sobrando, não vou arrumar sarna pra me coçar." Terras sobrando? Onde? Terras devolutas já quase não existem. Se a idéia é passar ao trabalhador as terras improdutivas do interior dos latifúndios, explique então como será feito. Ou então evoque Roberto Campos para contradizer esse modelo de pseudo-reforma agrária. A Lady Lula, por seu turno, respondeu que pretende dar continuidade à política de assentamentos. Uma política lenta que assentou menos que o governo FHC.

E por aí vai. As questões que entram em um nível um pouco mais profundo ficam sem respostas. Privatizar ou não? Por que privatizar ou por que não privatizar? Qual é seu plano para o Pré-Sal? Quais são os limites do Bolsa Família? Quais os empecilhos para um reforma tributária progressiva? Como lidar com o rombo da previdência?

Essas e outras questões pouco vieram à tona até agora - e, quando vieram, foram nos debates, e nunca devidamente respondidas. O horário eleitoral, que seria o espaço para aprofundar com mais tempo alguns temas, fica restrito a cinco tendências principais:

- A luta dos cabos-eleitorais (e aqui Dilma tem Lula, o mais forte deles);
- A luta das biografias (a principal aposta de Serra no início da campanha);
- Acusações éticas visando denegrir o outro (corrupção, dossiê, receitagate, etc.);
- Discursos e cenas emotivas (trabalhadores emocionados, chorando na propaganda de Dilma; Serra emocionado, dizendo que nunca recebeu tanto carinho do povo na vida);
- Promessas pragmáticas que não discutem a essência das questões (quantos empregos, hospitais e escolas serão criados; como vai ser a expansão do Bolsa Família; etc.) - tudo aquilo que não será cumprido na mesma medida em que foi prometido.



Parece ser utópico esperar discussões acerca dos temas. Já há algumas eleições que apenas os candidatos "que não têm nada a perder senão seus grilhões" puxam esse tipo de discussão. Basta ver os debates de 1989, e até de 1994, para ver o quanto se perdeu depois disso. O que significa essa tendência ao discurso vazio?

Significaria que, em muitos momentos, em especial no período eleitoral, o marketing se sobrepõe à política, forçando os partidos que concorrem a adotar estratégias defensivas, escondendo qualquer coisa que possa soar como impopular?

Ou significaria que essas questões são secundárias frente ao fetiche pelo poder, por parte dos partidos?

Ou significaria então que os projetos dos dois principais candidatos não são tão diferentes assim, tendo apenas algumas diferenças pontuais e operacionais?

Ficam algumas hipóteses, e algumas questões.

Abraços e bom final de semana.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (parte III)

Essa terceira parte da série de publicações sobre intolerância religiosa tem como tema a estigmatização de todas as esferas da vida dos sujeitos por algumas características da sua religião ou de uma minoria de sujeitos que praticam a mesma (deixando florescer aqui o meu lado weberiano e dando brecha para nosso assíduo comentador me criticar).

Impossível falar sobre isso sem citar o mais que recente caso do pastor norte-americano que pretendia queimar alcorões no dia 11 de setembro como forma de protesto a construção de uma mesquita nas proximidades donde outrora fora o World Trade Center.

Como todos devem ter acompanhado, depois de afirmar ter conversado com Deus o Pastor norte-americano disse ter desistido de queimar os alcorões. Se ele conversou ou não com Deus não podemos confirmar, mas fato é que ele teve a visita de três oficiais do FBI, um apelo oficial do presidente Barack Obama e um alerta da Interpool o aconselhando a não fazer. Fato também é que os muçulmanos, com razão, continuam indignados.

Esse caso de etnocentrismo ilustra perfeitamente a estigmatização, muito em voga principalmente na chamada sociedade ocidental, dos muçulmanos. Graças as ações de um grupo político extremista que diz ser muçulmano, todos os muçulmanos automaticamente são classificados como tendo a mesma ideologia política. Dessa maneira tanto a dona Gertudres, dona de casa, como o Dr. Queiroz, advogado, e o Sr. Braga, empresário, passam a considerar todo e qualquer muçulmano um terrorista em potencial esperando qualquer brecha para explodir alguma coisa e conquistar o mundo.

Essa idéia tem se alastrado de tal maneira que os próprios governantes desse países passam a usar o poder do Estado contra todo e qualquer muçulmano e, em casos de um etnocentrismo ainda maior, contra todo e qualquer árabe, como a grande restrição presente até hoje para pessoas com sobrenome árabe de conseguir um visto ou até mesmo um passaporte para pisar em solo norte-americano.

Os dois grandes baluartes daqueles que afirmam uma invasão islâmica, em uma espécie de neo-cruzadas, são o governo norte-americano e o francês. Há um tempo Monsieur Sarkozy declarou que uma das metas de seu governo seria extinguir o véu, usado pelas mulheres islâmicas, de todo território francês já tendo conseguindo até agora aprovar a sua proibição em escolas e em qualquer espaço público.

A estigmatização de todos os religiosos pelas ações de alguns religiosos é, sem dúvida, uma das grandes responsáveis pela intolerância religiosa no mundo contemporâneo. Se aqui a intolerância contra muçulmanos é relativamente baixa é apenas porque, por enquanto, existem poucos muçulmanos no nosso país. A intolerância religiosa no Brasil, hoje, se dá para com outros religiosos, mas esse será o assunto da próxima parte.

Continua...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O esquecimento moderno

Lembra quando inventaram o fone de ouvido?

Que maravilha que era quando, além de tê-los, as pessoas também o usavam!!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Sigismundo

E dando uma pausa na "Intolerância Religiosa", um conto, ainda em fase de criação:


Dia de Comício em uma pequena cidade do interior paulista. A cidade hoje, provavelmente, não possui mais que 7 mil habitantes.
O coronel Figueiredo, dono de grandes propriedades de terra na região, está se candidatando a sua reeleição para deputado estadual e precisa massivamente do apoio maciço do povo da sua cidade para continuar no poder. Embora seja muito poderoso, nunca foi muito bom de microfone e, para tanto, há anos contrata Sigismundo para subir no palanque, em seu lugar, enquanto fica com o sorriso amarelo ao lado do caboclo.
Sigismundo é de família simples e possui um pequeno sítio que chama de Demerval Lobão, nome de sua cidade natal, próxima de Teresina. É deste sítio que Sigismundo tira a subsistência de sua família inteira, composta por sua mulher e mais sete filhos. Contudo, muitas vezes, seja por causa da seca, seja pela falta de recursos, não consegue prover todo o necessário para seu lar. Desde pequeno sempre foi de contar histórias com maestria, geralmente na frente das vendas das cidades, onde todos paravam para lhe ouvir e ficavam envolvidos pelas suas histórias, suas interpretações, as lições de seus contos, com a propriedade com que falava cada frase; era sempre um verdadeiro espetáculo. Então, fazendo uso deste ‘dom’ é que ele complementava sua renda familiar, participando de festas na cidade ou indo, no fim do dia, para a venda local. Muitas das histórias que contava eram de sua própria invenção, sempre baseadas nas lutas tristes dos povos retirantes, na força das pessoas pobres, nas suas crenças, na simplicidade do povo que lutava para viver.
Há alguns anos, em uma destas apresentações, estava de passagem o coronel Figueiredo, que ficou entusiasmado pelo potencial do caboclo, chamando-o então para trabalhar com ele em seus comícios, apresentações, discursos, etc. Além de bom orador, Sigismundo, por ser conhecido de tempos da população, já era respeitado por todos.
O coronel então começou a lhe pagar um salário mensal, mesmo quando não precisava de seus serviços, apenas como ‘agradecimento’ pela sua ajuda.
Sigismundo sempre confiou muito em Figueiredo, sem suas promessas. Achava uma pessoa sincera, de bom coração, que sempre lhe fazia o bem. Tudo isto independentemente do que os outros lhe diziam sobre seu caráter.
Então, nas vésperas das eleições, o coronel combina mais um comício com Sigismundo. O caboclo chega na praça central da cidade, em frente a antiga matriz, e o palanque está lá, montado, imponente, cheio de faixas e fotos do coronel. Figueiredo cumprimenta Sigismundo e lhe passa um papel, que seria o discurso que ele teria que fazer naquela tarde. Apesar de que as instruções já quase não eram mais necessárias, já que eram sempre os mesmos discursos e Sigismundo já havia decorado quase todos eles.
Quando o caboclo sobe no palanque e se aproxima do microfone a população fica entusiasmada em meio a gritos e aplausos. É quando Sigismundo começa:
-Meu povo! Venho aqui nessa tarde pedir o apoio de vocês. Todos sabem dos benefícios que o coronel Figueiredo vem nos trazendo em todos esses anos, e para que ele continue nos ajudando é que precisamos lhe ajudar. Se ele for eleito ele promete construir uma ponte na passagem do “Passa-quatro”...- é quando interrompe seu discurso.
Figueiredo se espanta: -O que aconteceu meu filho?
Sigismundo sussurra então no ouvido do coronel: -Doutor, não é por nada não, mas o senhor já prometeu essa ponte nas últimas eleições. Sei lá, me sinto meio mal, as pessoas ficam me cobrando como se fosse eu que tivesse prometido. Minha família também já ta ficando desconfortável com isso aí. Não posso falar outra coisa não?!
-Olha meu filho, pode falar com tranqüilidade que desta vez a ponte sai. E outra, se eu não for eleito aí é que num sai mesmo.
Sigismundo se volta para o público e continua:
-Então meu povo, para aqueles que se perguntam por que o coronel está prometendo isso de novo, se já prometeu na eleição anterior, lhes digo: Se a ponte não foi construída não foi por falta de vontade ou empenho de nosso governante, mas sim por dificuldades impostas por aqueles que não querem o bem de nosso povo. Doutor Figueiredo continuará lutando pelos nossos direitos, mas isso se o ajudarmos a continuar nos representando. Além disso, o coronel promete doar algumas partes de sua fazenda para os menos favorecidos desta cidade...- e Sigismundo para novamente.
-Doutor, isso aí também num dá não. Já falamos isso e o que o senhor fez foi na verdade comprar mais terra, e os que invadiram aquela região perto do rio Bonito, o senhor tirou na bala. Num tem outra coisa pra falar não?
-Olha meu filho, pode falar com tranqüilidade que dessa vez eu dôo as terras. E outra, se não for eleito aí que não vou ter poder pra desmembrar minha fazenda mesmo.
Sigismundo se volta para o público e continua.
-Então meu povo, para aqueles que se perguntam por que o coronel está prometendo isso de novo, se já prometeu na eleição anterior, lhes digo: Se as terras não foram doadas foi por empecilho da burocracia e por pressão de outros coronéis que acharam que, se o coronel fizesse isto, seriam obrigados a fazerem o mesmo. E digo mais: Eles são obrigados a fazer o mesmo. E não sou só eu que o digo, mas também o coronel Figueiredo, que vem brigando com esses crápulas que não querem nada mais do que o atraso e a miséria do nosso povo. Além disso, o coronel promete fazer um novo posto de saúde muito mais preparado para a nossa cidade...
Sigismundo se vira novamente para o coronel:
-Doutor, aí é demais. Isso não posso falar não. Mês passado uma menina da minha vizinha de porteira morreu porque não tinha o posto, e não atenderam ela no hospital da cidade aí do lado não. Agora temo que falar outra coisa, com isso aí não dá. Ta ficando chato pra minha família doutor. E pra mim também.
-Olha meu filho, se continuar assim questionando tudo, aí fica difícil agente trabalhar junto. Se to dizendo que vou fazer é por que vou fazer. E se não fiz antes foi por que não me deixaram, ou você não confia em mim?
-Opa, que é isso doutor?! Confio sim senhor.
-Então meu filho, continua com o discurso que do resto cuido eu. A não ser que você esteja desconfortável e queira parar de trabalhar comigo. Mas aí, você sabe como é meu filho, não vai dar mais pra te ajudar né?! Por mais que eu quisesse, mas sem trabalhar pra mim não tem como te ajudar de volta, não é?! Não seria justo com os outros. É o que sempre te falei, você me ajudando eu ajudo você e sua família. Ou não levei seus meninos pra conhecer os avós em Demerval Lobão?
-O! Levou sim senhor.
-E não paguei tudo?
-Pagou sim senhor.
-E cobrei alguma coisa a mais de você?
-Não cobrou não senhor.
-Então meu filho, continua com o discurso aí que do resto cuido eu.
Sigismundo fica quieto e pensativo ao microfone. A platéia começa a se olhar perguntando o que acontece, já que Sigismundo nunca antes havia interrompido um discurso ou uma história. É quando Sigismundo enche o pulmão e faz seu discurso mais inflamado e convicto de todos antes já vistos. Rebate, antes mesmo de ser questionado, todas as possíveis contradições do discurso ou promessas que não foram cumpridas. Ao final, Sigismundo está sem fôlego, mas olha para o lado e o coronel está com um sorriso também nunca antes visto.
Sigismundo se afasta do microfone e cumprimenta o coronel que, muito feliz, já no aperto de mão lhe passa algumas boas notas de reais.
-Muito obrigado meu filho. Agora que você me ajudou não vou medir esforços para ajudar você e sua família em tudo que for preciso.
-Obrigado doutor.
Sigismundo desce do palanque quando é parado por Alberto, seu velho amigo, que lhe pergunta:
-Onde tu vai Sigismundo, não vai lá pra festa do comício não?! O coronel compro de tudo pro povo.
-Brigado Alberto, mas preciso passar na venda comprar arroz e feijão la pra casa. Os filhos já devem ta chorando que não comeram nada ontem.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (parte II)

Perdendo a hegemonia política que teve outrora, a Igreja Católica foi aos poucos resgatando suas raízes de tolerância. Se o discurso oficial antes era de conversão, hoje é de união (obviamente com a exceção dos setores mais conservadores). Retornando então para sua característica histórica marcante de mais incorporar as diversas manifestações religiosas do que combatê-las, é comum constatar hoje casos de sincretismo, principalmente em território brasileiro. Salientando também que ainda é facil de encontrar casos de intolerância.


O desenvolvimento de diversas denominações religiosas evangélicas tendo como sua maior vertente o pentecostalismo, de origem norte-americana, a partir dos anos 60 trouxe um novo discurso da experiência religiosa, que se focava mais nas na experiência pessoal do indivíduo. Nessas Igrejas Pentecostais era o fiel o grande ator dos cultos, com a Igreja em segundo plano.

Com o passar dos anos, essas experiência religiosa de origem norte-americana foi se desenvolvendo em território brasileiro e incorporando diversas expressões de cunho cultural e religioso do nosso país e, durante os anos 80, surgiram então os chamados neopentecostais. Essa denominação religiosa tem por principais características a incessante atuação na mídia impressa e televisiva e entre seus maiores representantes a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer.

O maior exemplo de sincretismo pode ser encontrado na Igreja Universal que, dizendo cristã, praticamente não usa a bíblia ao mesmo tempo em que tem forte influência kardecista em seus rituais e a presença das entidades do candomblé afro-brasileiro. Isso sem contar que seus prédios evocam a arquitetura romana com vitrais de santuários góticos e ostenta a estrela de Davi, maior símbolo entre os judeus, ao lado de uma cruz, maior símbolo entre os cristãos.


Se a primeira impressão de todo esse sincretismo seria uma grande tolerância para toda forma de expressão religiosa, não é isso o encontrado em seus cultos. A contradição existente é que ao mesmo tempo em que incorpora manifestações de outras religiões a Igreja Universal as nega. Por exemplo, o principal foco dos seus cultos são os demônios que precisam ser exorcizados dos corpos dos fiéis e esses demônios são todas entidades do candomblé. Desta maneira o candomblé se torna o grande portador de todo o mal e conseqüentemente a intolerância religiosa dos fiéis é destinada para os seus praticantes.

Ao mesmo tempo outro discurso comum pregado nos cultos está na intolerância para com as imagens e dessa maneira os fiéis são aconselhados não só a não ter como a quebrar imagens de outras denominações. Assim a intolerância é destinada novamente para os praticantes do candomblé e também para os católicos. É aqui que chego ao caso que quero tratar e puxo sardinha pro meu lado: o caso do chute na santa. Em 12 de outubro de 1995 um pastor da Igreja Universal chutou, ao vivo pela TV Record, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.




Como pode ser visto a intenção era de ao mesmo tempo demonizar aquela imagem e afirmar que ela não tinha nenhum tipo de poder sobrenatural. Essa atitude teve, ao mesmo tempo, repercussão nacional. Católicos ganharam então um grande espaço na TV Globo, que cobria as comemorações do feriado em Aparecida, para expressar sua indignação.

Assim como na publicação anterior faço uma análise mais pontual: até que ponto esse conflito foi unicamente religioso? A Record começava a se reafirmar como uma emissora nacional de destaque e queria ganhar mais espaço enquanto a Globo começava a ficar com medo de perder sua hegemonia.

Até que ponto esse caso não foi apenas um bode expiatório, uma situação limite, usada para externar a tensão entre as duas emissoras? Mas, até que ponto esse conflito não foi também fruto da tensão entre as duas instituições religiosas?

Esse caso foi um dos grandes responsáveis por acender o debate sobre a Intolerância religiosa no Brasil. Nos dias que se seguiram a Igreja Universal justificava o chute como uma manifestação religiosa jogando para a Igreja Católica a intolerância. Já a Igreja Católica passou a exigir mecanismos judiciais que coibissem aquilo que julgava serem agressões contra manifestações religiosas. Como definir o que é uma manifestação religiosa ou quando uma agride a outra? A discussão sobre isso resultou no Plano Nacional Contra Intolerância Religiosa, tendo o Respeito como palavra chave, lançado por Lula em 2008. Esse caso também foi o estopim para um debate que ocorre até hoje no legislativo com a liderança da bancada evangélica: a extinção dos feriados religiosos.

Continua...

sábado, 4 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (parte I)

Sou um grande entusiasta da liberdade de expressão religiosa, pois entendo que assim como a liberdade política ela é fundamental em uma sociedade democrática. Quero tratar aqui, mesmo que um pouco superficialmente, dos casos de coibição dessas práticas, em outras palavras, da intolerância religiosa.A solução mais precipitada e menos reflexiva é, obviamente, culpar a religião ou os religiosos e fazer a utópica afirmação que um mundo sem religião seria um mundo mais pacífico (Imagine all the people...).

O que quero demonstrar aqui é a tênue diferença entre religião e política ou então os jogos de poder na qual a primeira é submetida. Afinal, o que é religião? Você já parou pra se perguntar isso? Como definir o que é ou o que não é uma religião? Tendo uma ínfima atuação no campo antropológico dessa área posso lhes afirmar que é impossível ter uma definição de religião que englobe tudo aquilo que é considerado religião. Não cito bibliografias aqui porque não é esse o intuito desse blog, mas tudo o que digo aqui de certa maneira tem influências dessas leituras.

É de praxe nesse assunto começar falando da Igreja Católica, afinal sendo a mais velha dentro da nossa cultura torna-se sempre o alvo mais fácil. Dos inúmeros casos da cito aqui apenas um: o massacre de Lisboa.


No ano de 1506 milhares de judeus foram mortos em apenas três dias em grandes fogueiras públicas pelos cristãos que julgavam serem eles os responsáveis pela fome que assolava aquele país. Tendo sido expulsos da Espanha pelos imperadores, milhares de judeus migraram para Portugal em busca de abrigo e o imperador daquele país Manuel I, por sua vez, não fez absolutamente nada para os receber.

Dada a seca que assolava a península Ibérica, com o contingente populacional tendo sido triplicado, obviamente as demandas de comida aumentaram e as pestes se alastraram por todas as classes sociais. Os portugueses, cristãos, aterrorizados com aquela situação obviamente culparam os imigrantes, judeus. Dado o sistema político teocêntrico os portugueses interpretaram aquilo como um castigo divino pela quantidade considerável de não cristãos naquele país.

Assim, em uma situação limite de seca, fome e doença de maneira contraditória alguns cristãos chegaram à absurda conclusão de que a melhor maneira de acabar com essa situação seria matando todo aquele que não fosse cristão, ou em algum momento não tivesse sido, em grandes fogueiras. Assim morreram muçulmanos, cristão-novos e judeus. Em um primeiro momento o imperador português não fez nada, afinal com o a diminuição do contingente populacional seria mais fácil administrar aquela situação. Porém com o desenvolver da matança, alguns judeus mais próximos e amigos do imperador começaram a ser mortos também e foi só assim que ele mandou tropas para conter a carnificina.

Pergunto a vocês: é correto reduzir todo esse panorama histórico apenas a dimensão religiosa? Ou também estão presentes aqui dimensões políticas de xenofobia, saúde precária e falta de alimentos? Obviamente haviam portugues cristãos contra a matança assim como judeus poderosos não foram mortos. Aliás, você acha que se os portugueses e os imigrantes tivessem outras religiões ou simplesmente não tivessem eles não entrariam em confronto?

Entendo que seria ingenuidade reduzir essa situação a sua dimensão religiosa unicamente porque era o vocabulário religioso o predominante na época. Fazendo um paralelo anacrônico: é como se pegando os casos de imigração de latinos nos Estados Unidos reduzíssemos toda a sua complexa situação unicamente a dimensão econômica por ser esse o vocabulário predominante da nossa época (peraí, mas é exatamente isso que fazemos!).

Continua...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Gláuber Rocha

"Não é um filme mas um conjunto de filmes em evolução que dará, por fim, ao público, a consciência de sua própria existência."

quarta-feira, 1 de setembro de 2010