O orgulho nacional performatizado ao longo deste último mês foi elemento
crucial para o dito sucesso do megaevento e merece uma reflexão mais demorada
ao longo das próximas semanas. A imagem sacrossanta da bandeira hasteada
durante a oração cantada aos berros unissônicos de louvor à nação – que,
diga-se, revela algo da propaganda patriótica bombardeante das últimas semanas –
contém os dizeres franco-iluministas que nortearam a consolidação nacional do
Brasil e sintetizam o que foi vivido neste pedaço de terra entre 12 de junho e
13 de julho: ordem e progresso.
Sediar a Copa do Mundo FIFA™ é atitude de um governo que confia na
possibilidade de exibir ao assim chamado mundo civilizado a imagem
representativa de um país coerente com o que se espera neste tal mundo, a
saber, o progresso. Elemento recorrente no discurso político moderno, o
progresso aparece na Copa do Mundo FIFA™ simultaneamente como exibição e perspectiva.
Porque a um só tempo se expõe para fora que existe progresso nessas terras e se
explica para dentro que a exibição será bem sucedida e resultará em mais
progresso.
E o progresso almejado, logo se vê, é multifacetado: tecnológico,
urbano, turístico, energético, desportivo, político. O carro-chefe, entretanto,
da concepção que trouxe o diabo à Terra de Santa Cruz é o progresso econômico,
este entendido como alto faturamento do mundo empresarial que orbita em torno
da festa: de pequenos comerciantes e vendedores ambulantes a, principalmente,
multinacionais patrocinadoras e construtoras homicidas politicamente
beneficiadas.
Se o progresso econômico resultante da Copa do Mundo FIFA™ é
inquestionável – pelo menos assim dizem os números oficiais –, é necessário persistir e difundir o debate acerca do regresso humano resultante do custo social da brincadeira,
manifestado sobretudo na violação constante de direitos civis e sociais:
remoções forçadas de comunidades inteiras com indenizações mal pagas ou
inexistentes, avanço da especulação imobiliária que deixa famílias à deriva, greves
e protestos reprimidos violentamente, prisões ilegais como forma de medida
preventiva, além das ainda existentes práticas de desaparecimentos, torturas e
assassinatos arbitrários nos espaços onde o Estado inexiste senão com sua face
repressiva.
Por isso que, desde a perspectiva do já mencionado mundo civilizado, a
ordem foi e é crucial. A recusa de setores da população civil em acatar ao
ideal de progresso com o qual se procurou justificar o evento resultou em
bombas, tiros e sangue. Porque este ideal é avesso a uma sociedade permeada por
contradições e disputas e se repousa sobre um distópico universo em que
qualquer conflito é sinal de patologia social e deve ser reprimido para que
reine a paz e haja possibilidade de (ainda mais) progresso.
Com o amor nacionalista inflado e orgulhoso de ter exibido ao mundo a
simpatia inata aos aqui nascidos, o brasileiro pode agora vislumbrar na bandeira
nacional o grande legado produzido pela recepção do mundial. Ao que parece, falhou
o prognóstico fatalista de certa oposição para alegria do governo em suas
várias instâncias: não nos faltou ordem nem progresso. Infelizmente.