domingo, 9 de março de 2014

Afasia


Certo dia, uma criança perguntou o motivo de eu rir com o nariz. Desde então, e isso é comprovado pelas fotos, passei a reparar que realmente minha boca tá sempre fechada. Os sons que emito no riso (risss), ao concordar (aham), discordar (ãã) ou reprovar(ham), proveem todos da minha garganta. 

"Abre a boca pra falar" e "Fala pra fora", já escutei inúmeras vezes. Mas o fato é que eu não sei lidar com essa questão aí, de emitir sons pela boca. Falar nunca foi o meu forte, quer dizer, sempre foi o meu ponto mais fraco. Tanto que na escola fui apelidado de mudinho. Lembro que, na chamada oral de tabuada, o meu pavor era muito maior por ter que falar alto, do que pela matemática em si. 

Dada minha condição de mudez, ressaltada pelos professores, por um período frequentei a fonoaudióloga. Ela falava que meu pensamento era rápido, por isso eu tinha preguiça de o expor com a voz, que estava sempre atrasada. A receita foi eu ter menos preguiça pra falar e, sendo ou não verdade, nunca houveram resultados satisfatórios. Com o tempo passaram a aceitar, talvez o silêncio fosse mesmo a minha sina. 

Não é que eu nunca fale, perguntem minha opinião sobre a Dilma, o Papa ou a Ana Maria Braga que se arrependerão de tanto me ouvir. A questão é que, com tantas partes do corpo pra se expressar, por que escolher justamente as cordas vocais? Admiro muito vozes, por outro lado, mas as dos outros. Sotaques falados e cantados fazem muito bem quando me chegam pelos ouvidos.

Sou fascinado por palavras, sempre fui, mas acho que comigo elas ficam melhores assim, escritas. Parece que elas fazem mais sentido, são mais palavras. Quando eu falo elas deixam de ser palavras, pra se tornarem vento, um vento destrambelhado e sem propósito. O grande problema é que ultimamente tenho dependido, e muito, do uso da voz.

Estou escrevendo isso porque, no momento, preparo uma apresentação: já busco, desde o início, equilibrar a deficiência de voz com o resto. Pior que falar só mesmo falar em outra língua. Tenho extrema facilidade em ler e escutar vozes gringas, mas não venha me pedir pra to speak, parler, hablar ou te spreken. Eu mesmo, até hoje, não sei bem o motivo. Não é timidez e nem é de propósito. É assim porque é assim, simplesmente. Na maior parte do tempo, falar não me apetece.

Mas isso não impede que, volta e meia, surjam calorosos debates familiares sobre a real motivação dessa falta de voz. A mais recorrente é a de que "puxou o avô", que também era simpatizante da mudez (aham). Outra teoria é que minha língua presa não facilita a comunicação, só que Lula ta aí pra provar o contrário (ham). Mas a minha preferida é que, como minha família fala bastante, eu opto por ficar quieto pra evitar a fadiga de disputar a fala (risss).

De fato, de todos os motivos, o que mais estimula a me manter mudo é ter que disputar a vez na fala. Isso vale pra mesas de bar, salas de aula e ceia de natal: se todos querem tanto falar, que falem, fala que eu te escuto. Como já disseram, eu sou "bom em ficar quieto".

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