quarta-feira, 30 de maio de 2012

Verdade como poder

Um dos efeitos mais perversos da delegação da experiência individual pra terceiros, que tratei na minha última publicação, é o estabelecimento da verdade absoluta. Qualquer coisa absoluta é, em si, incompleta. Assim, toda verdade é relativa de acordo com a perspectiva dos seus locutores. 

O discurso científico, nesse sentido, tendo uma perspectiva carregada sobretudo de racionalidades acríticas, isto é, presas a técnicas e tecnologias funcionalistas de desenvolvimento que reproduzem uma maneira de pensar dominante, adquiriu hoje um discurso legítimo em praticamente todas as esferas do campo social. O discurso científico/racional/metodológico se tornou parâmetro de análise e legitimação de tudo: essa seria a verdade, absoluta. 

É inquestionável que a produção dessas verdades se dá muitas vezes pela mais boa vontade dos envolvidos. Não digo que exista um plano diabólico e maquiavélico entre uma cúpula de cientistas malucos que querem dominar o mundo, pelo contrário, penso que muitos deles buscam mesmo verdades absolutas e acreditam que existe um caminho certo a ser seguido pela humanidade para a evolução completa do gênero humano.

Mesmo não acreditando em evolução social e desacreditado cada vez mais dos métodos científicos, fato é que  uma vez que uma "verdade" é proferida por uma dessas pessoas, independente da boa vontade, elas podem e geralmente passam a ser utilizadas como forma de poder e dominação.  Em outras palavras, o discurso científico adquiriu tanta legitimidade que tudo aquilo que é dito por ele, isso é, todo resultado de uma pesquisa passa a ser tido como uma verdade absoluta e inquestionável. O único motivo de se estabelecer uma verdade como opção absoluta é excluir as demais opções como inverídicas.

O perigo é que uma verdade inquestionável resulta em ações inquestionáveis: é desse modo que grande empresas, hospitais psiquiátricos, cadeias, escolas e sobretudo o Estado ditam suas normas e coagem seus pares através da força. Se aquilo é verdade, deve ser defendido independente das opiniões contrárias. Usando da violência ou não.

O que é desconsiderado nisso tudo é que toda verdade é na realidade uma ficção: a verdade é a ficção aceita pela maioria.

Desse modo, a meu ver, o único meio de se desenvolver um olhar crítico para a realidade sem se deixar levar por uma única ficção é desestabilizando o poder através da potencialidade do falso. Mas deixarei isso para minha próxima divagação....

Um comentário:

  1. Novamente penso em Foucault, e sua ideia de regime discursivo pautado no saber/poder.

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