sábado, 12 de maio de 2012

Esfera Pública Virtual?

Depois de muito tempo, cá estou. Novamente a divagar.

Os debates recentes sobre a construção e a radicalização da democracia têm sido muito marcados pelo termo "esfera pública". Talvez, no Brasil, a concepção mais difundida de esfera pública seja aquela desenvolvida pelo filósofo alemão Jürgen Habermas (já mencionado neste blog), que se refere ao conjunto de espaços não-estatais e não-mercadológicos de debate, discussão política, protesto, manifestação e formação de uma opinião pública, a fim de pressionar o Estado e colocar na agenda pública as demandas levantadas e consolidadas. Embora essa concepção de esfera pública me pareça insuficiente para reclamar uma radicalização democrática - porque não afeta a estrutura do Estado (nem do mercado), apenas o pressiona e tenta conduzi-lo "de fora" -, não me debruçarei agora sobre essa crítica. Minha postagem será conduzida por três perguntas fundamentais, em torno da mudanças provocadas pela emergência do cyberespaço: 1) Há, de fato, a emergência de uma "esfera pública virtual", como apontam alguns estudiosos do tema? 2) Quais os alcances e limites dessa suposta esfera pública virtual no que diz respeito à influência sobre o Estado? 3) Considerando os meios de comunicação em massa um ator bastante atuante na formação da opinião pública, qual o impacto da difusão da internet? Longe de pretender dar respostas definitivas a essas questões, exporei os caminhos pelos quais as tenho pensado. Por isso, toda crítica às reflexões são bem vindas.


Esfera pública virtual

Parece-me consensual que, no mínimo, alguma mudança acontece em relação ao debate político e às formas de pressão sobre o Estado desde que a internet se "popularizou" (considerando que ainda marginaliza uma grande parte pobre da população) e as redes sociais se tornaram espaços de divulgação de ideias, debate político, articulação de grupos e formação de opinião. Acredito que esses espaços, bastante frequentado por jovens, políticos "profissionais", ativistas de movimentos sociais e ongs, são espaços públicos por definição: o que está em jogo é a argumentação e, fora a grave restrição imposta aos "excluídos digitais", há uma certa democracia no interior do debate. Com o risco amenizado de serem interrompidos ou constrangidos por homens brancos heterossexuais (dominantes na esfera pública tradicional), mulheres, homossexuais e negros colocam seus posicionamentos políticos com maior tranquilidade e fomentam correntes contra-hegemônicas de opinião. Abaixo-assinados virtuais e blogs de diversos temas participam fortemente da formação de opinião e desenvolvem formas inteiramente novas de pressão institucional - cuja eficácia, sem dúvida, deve ser questionada. Além deste processo virtual de formação de opinião e debate, as redes sociais e blogs diversos são espaços de articulação e divulgação de protestos e manifestações no "mundo real", material. 
Nem tudo são flores: esses espaços virtuais não possuem uma moralidade inerente - e nem deveriam -, de forma que também são aproveitados pelo que há de mais podre em nossa sociedade "civil": neo-nazistas, masculinistas, integralistas, racistas, xenófobos, homofóbicos, fundamentalistas violentos, torcidas organizadas de futebol (que fomentam a violência e agendam guerras por esses espaços) e outros tipos de opressores. 
De todo modo, mesmo considerando aquelas demandas justas e legítimas, que se referem ao reconhecimento e efetivação de direitos sociais e políticos, é preciso questionar os alcances desses cyberespaços.

Limites e alcances

Acredito que as mudanças são irreversíveis e geram processos inteiramente novos. Não acredito, contudo, que esses novos processos sejam meros substitutos dos antigos e não me parece que um dia terão condição para tal. Isso porque o Estado e o mercado - principais alvos dessas organizações -, embora tenham sua "virtualidade" (seus websites, seus sitemas virtuais de intercâmbio e negociação, etc), são geograficamente existentes e materialmente concretos. A opressão do Estado (de diversas orientações políticas) e do mercado são materiais, encarnadas, concretas, enraizadas no "mundo real". Embora a virtualização do debate tenha gerado uma nova forma de discussão, tematização, dramatização e formação de opinião, as grandes instituições visadas permanecem existentes no mundo material, e nele continuam a oprimir seres humanos. Ao mesmo tempo que há novos alcances e novas formas de desobediência civil (Anonymmus é o grande exemplo), corre-se o risco de considerar suficiente a manifestação e articulação nesses espaços. Considero que o grande potencial está na articulação entre o debate e formação de opinião pública no mundo virtual, de um lado, e formas historicamente consolidadas de protestos nas ruas, nos espaços materiais e geográficos de opressão: em frente a embaixada, dentro da assembleia, na praça pública, na ocupação de predios, na greve. Esse foi o grande ensinamento deixado pela Primavera Árabe. O "mundo virtual" foi imprescindível para a articulação e canalização de insatisfações, mas a derrubada do Estado opressor só ocorreu mediante a materialidade das ruas, das lutas concretas. Ademais, há lutas profundamente enraizadas na materialidade, como movimentos por terra e moradia, para as quais os espaços virtuais têm uma contribuição bastante limitada.


Democratizar a informação

O oligopólio dos meios de comunicação em massa (televisão e rádios, principalmente) é um dos principais problemas no processo de formação de opinião pública no Brasil. Se consolidar uma concepção de mundo contra-hegemônica é sempre desafiador, a questão complica-se quando poucos magnatas, de posicionamentos políticos semelhantes e alianças obscuras, dominam o setor das comunicações. Esse ponto sempre foi um câncer em nossa esfera pública, comprometendo a legitimidade da opinião pública. Tais meios selecionam e reelaboram informações mediante interesses diversos, muitas vezes "desinformando" a sociedade civil de forma a imunizar as instituições centrais da opressão humana. A "popularização" da internet e suas redes sociais, embora não resolva o problema, parece ser uma escapadela ao acesso de informação selecionada e escrita por outros critérios. Portais e blogs fora do eixo hegemônico constituem-se ricas fontes de informação crítica - ou simplesmente nua e crua. Um exemplo dessa situação é o caso Pinheirinho, sistematicamente ocultado ou amenizado pelos grandes meios de comunicação, que ganha visibilidade e criticidade mediante esses meios. Novamente, faço uma ressalva e aponto um risco: a internet está mais popular que outrora, mas ainda exclui uma grande margem da população das classes subalternas. Dessa forma, não podemos ter simplesmente uma visão celebratória da "internet democrática" e ignorar que a parte massiva da população tem acesso à informação pelos velhos e dominados meios. Nesse sentido, cabe lutar por uma popularização real da internet, sem as aspas, que permita o acesso amplo e irrestrito a tais fontes alternativas de informação. O risco, nesse caso, é acreditar que a internet já é uma alterntiva ao oligopólio da televisão e do rádio, deixando de lutar contra este. Ademais, nesse caso também a internet gera uma "banda podre": posicionamentos racistas, xenófobos, autoritários e machistas - alguns dos quais já hoje considerados "politicamente incorretos" para serem veiculados na televisão - encontram nesses blogs e portais seu espaço - muitas vezes em formas de humor opressor.

Em suma, busquei defender que o advento e "popularização" da internet, com suas redes sociais e fontes alternativas de informação, constituem uma nova "mudança estrutural da esfera pública", gerando novas possibilidades de articulação, formação de opinião e manifestação política. Todavia, busquei relativizar uma visão celebratória: há uma ampla margem de cidadãos digitalmente excluídos; as formas antigas e persistentes de opressão do Estado e do mercado são materialmente existentes e sua superação não pode prescindir da materialidade; e há formas antigas e persistentes de manipulação da informação pelos meios de comunicação em massa. Acredito que o grande potencial desses novos espaços públicos de luta política é, justamente, na articulação com as formas historicamente consolidadas de manifestação e luta, que não prescindem das ruas no "mundo real".

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