quinta-feira, 2 de junho de 2011

Política e Religião

Sim, meus caros, resolvi dar uma pausa em tudo aquilo que não deveria ser pausado e escrever aqui. Foram muitos e muitos os assuntos com potência de abordagem por este blog nos últimos meses (do bin Laden a Belo Monte passando pelo Egito). Porém, também são muitas e muitas as obrigações a serem executadas pelos moradores deste Beco e, infelizmente, pouco tempo nos resta para escrever algo que valha a pena ser lido.

Mesmo com a incerteza de que aquilo que eu escreverei valerá a pena ser lido, acabo de me lançar esse desafio. Ressalto, mais uma vez, que a falta de tempo implicará em um texto não revisado e escrito diretamente nessa plataforma. O que não significa que vocês não devam me criticar, pelo contrário. Feita a mea culpa e finda as parcimônias, vamos ao que interessa.

Esse texto deriva diretamente de outras publicações deste mesmo blog. Se for possível (re) leiam:
- O excelente texto de Enrico Bueno
- A série fuleira sobre religião, mas feita com boa vontade, desse que vos escreve

Escrevo em grande parte influenciado também por uma de minhas leituras acadêmicas. Pois é! Em meio a diagramas de parentesco e análises de ritos corporais, a gente também vê política em antropologia! Desculpem os politólogos e sociólogos que me leem dos absurdos que poderei falar.

O livro que me refiro foi fruto de um encontro promovido em 2004 entre, pasmem, Jurgen Haberbas e Joseph Ratzinger. Reunindo o filósofo do direito e o futuro papa frente a frente foi lançada a questão: "qual o lugar da religião no mundo contemporâneo?"


E por que cargas d'agua eu to falando sobre isso? Dado os rumos que temos acompanhado na cena política do país, essa questão se mostra mais que atual e pra mim imprenscindível de ser discutida.

Esses quatro assuntos, dentre outros, tem dominado os noticiários nada imparciais de nossos meios de comunicação e sucitado um amplo debate que, em linhas gerais, tem apontado tanto para um grupo dito conservador de um lado quanto para um grupo dito secular de outro. Continuando a generalização, de perspectiva oposta os conservadores são geralmente tidos como "religiosos/irracionais/moralistas" enquanto os seculares como "revolucionários/progressistas/drogados".

1) Como pudemos ver o kit anti-homofobia, chamado propositalmente de kit-gay, foi duramente criticado pela bancada evangélica até ser recolhido pela presidente(a) Dilma. O discurso senso comum propagado foi de que os evangélicos venceram os gays.
2) Por outro lado, o STF alguns dias antes aprovou a união estável entre homossexuais mesmo com duras críticas da CNBB. O senso comum apontou uma vitória dos "gays".
3) Em meio a tudo isso era organizada a marcha da maconha que, pela justificativa de apologia, resultou em pancadaria por parte da polícia. Vitória conservadora?
4) Os "cristãos", insatisfeitos com tudo isso, organizam agora uma marcha contra o kit, o casamento gay e a maconha.

Quero chamar a atenção para o discurso que tem se formado sobre isso. De um lado os religiosos tem acusado o governo de tomar bandeira contra questões de cunho moral enquanto os seculares tem exigido que os cristãos não se manifestem politicamente, sob a justificativa do Estado laico. É aí que o livro entra: para ele os dois lados estão errados.

Mais uma vez pasmem: a crítica maior do Papa é feita aos religiosos enquanto para Habermas o problema são os seculares. É a fé de Habermas e a descrença de Ratzinger. Já explico, mas antes cito.

"Em seu papel de cidadãos, os secularizados não podem contestar o potencial de verdade das visões religiosas (...) Os filósofos devem ouvir os representantes das religiões, pois eles tem muito a nos ensinar (...) O Estado não pode negar aos cidadãos religiosos o seu direito de contribuir nos debates públicos nos seus próprios termos" - Jurgen Habermas


É isso mesmo, o filósofo frankfurtiano defende que o discurso religioso é tão válido quanto o filosófico e por isso deve ser sempre respeitado. Com uma concepção que a democracia se faz na esfera pública, no diálogo, quanto mais plural e divergente forem as opiniões expressadas mais consolidada será.

"O terror se nutre pela moral. Se a religião também se nutrir torna-se um poder arcaico e perigoso que constrói falsos universalismos. (...) A religião é repleta de patologias e cabe ao direito e a razão purificá-la de seus vícios" Joseph Ratzinger

Sim, o futuro papa defende aqui uma religião tutelada pela razão para que não tenha tendências fundamentalistas e se afaste da moral e da pretensão universalista. Citando de Heidegger a Levi-Strauss ele demonstra como a naturalização da religião é perigosa e o direito é fundamental em uma sociedade democrática. Do mesmo modo, a ciência por sí teria alto poder de destruição e caberia a religião não deixar isso acontecer.

Divergindo em questões pontuais, porém, ambos os autores chegam amistosamente a conclusões bastante similares que, de maneira porca, pretenciosa e empobrecedora falarei agora.

Estes dois grandes pensadores da atualidade defendem sim uma participação dos religosos na esfera pública sem nenhum tipo de retalhação, constrangimento ou preconceito. O homem religioso em um estado democrático deve ter exatamente os mesmos direitos do homem secular.

Ora - você pode me dizer - então tanto o Papa como Habermas não concordam com o Estado laico? - Eu te digo: Estado laico não é Estado antirreligoso cara pálida.

O que ambos defendem é que a esfera pública tem uma lógica por si que legitima ou deslegitima os discursos postos. E essa esfera deve ser laica do mesmo modo que não deve ter uma ideologia dominante. Já aqueles que discursam, pelo contrário, devem ter um posicionamento religoso/ideológico/filosófico.

Exemplificando: nessa lógica tanto o Bolsonaro como o Malafaia estão absurdamente equivocados em usar uma linguagem com pressupostos morais na discussão sobre o kit. Já o STF teria agido com grande senso democrático ao convidar tanto a CNBB quando ao movimento LGBT a se expressar, na esfera pública e nos termos juridicos, sobre o casamento homoafetivo. Quanto a Marcha da Maconha e a Marcha Cristã, ambas como expressão ideológica de uma posição política, são extremamente legítimas e democráticas nessa esfera pública. O problema aqui, contraditoriamente, é o Estado brasileiro que usando da Polícia, com coerção física e moral, impede a plena realização da esfera pública.

A discussão sobre quem pode e quem não pode se manifestar que predmonia hoje tanto no senso comum como na imprensa não faz sentido já que em um Estado democrático como o brasileiro TODOS tem o DIREITO e eu diria o DEVER de manifestar suas posições ideológicas e políticas. A questão nodal, perdida nessa neblina de preconceitos, é de que o meio como essas posições são manifestas é que deve ser discutido.

Tratando-se de democracia você pode defender o que quiser se respeitar os meios de defesa.

ps: que venham os empiristas me tirar do mundo das ideias.

Um comentário:

  1. Tirando o titubear inicial, o excesso de dedos, brilhante o texto, Adriano!
    Essa história do atual Papa e de Habermas é pouco estudada no Brasil, pelo que ouvi falar... Infelizmente, os estudos habermasianos, ou ficam numa adoração, ou numa guerra declarada ao contexto europeu das ideias do filósofo, ou seja, quase sempre aparecem umas pérolas indignas...
    Mas, eu assinaria o texto, o debate e a discussão... me lembrei de um texto curto do Vladimir Safatle no jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 12 abril deste ano, sobre o registro da "opinião", de enunciados sobre e com os quais se pode ser contra ou a favor, só que em certos sentidos, outros discursos, que "estigmatizam grupos, alimentam o desprezo e diminuem nossa indignação diante da violência contra eles" simplesmente se colocam fora do âmbito democrático, óbvio. Portanto, perdem o direito de serem defendidos. Tem sido um pouco do absurdo recente no Brasil, com a morte de um casal no Pará a mando, por canta da luta pela terra, com a questão da união homoafetiva, também, e com a marcha da maconha, enfim, não se tem mais direito de igualdade, pelo contrário, reivindicar uma desigualdade de direito tornou-se um direito....
    Abraços

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