sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O udenismo na política brasileira

Embora este blog vise a exposição de questões polêmicas por parte de seus blogueiros e comentadores, não faz mal ocasionalmente trazer textos alheios, quando estes contribuem para os debates deste imundo espaço. O post abaixo é do blog "Confissões aos 40" e faz uma crítica à postura recente adotada pela campanha de José Serra. É um texto interessante para refletir e problematizar as disputas eleitorais e o conteúdo de seu debate, tal como eu já abordei aqui.


O udenismo na política brasileira

(por Patrícia Andrade)

Criada em 1945 e extinta em 1965, a União Democrática Nacional (UDN) nunca deixou de rondar o panorama político do Brasil. Apoiado pelos setores conservadores da sociedade brasileira, o partido de Carlos Lacerda pautava suas ações pela defesa das teses liberais clássicas, pelo discurso amplificado da moral e do moralismo na política e, sobretudo, pelo golpismo.

Orador brilhante, Lacerda liderou uma oposição virulenta contra Getúlio Vargas, que culminou no suicídio do presidente em agosto de 1954. A chamada República do Galeão, inquérito Policial-Militar montado pelos oficiais da Aeronáutica no Galeão para apurar a autoria e os mandantes do atentado que matou o Major Rubem Vaz, não queria saber quem atirou em Lacerda e acabou acertando no militar no famoso caso da Rua Tonelero. Almejava, na verdade, derrubar o presidente Getúlio Vargas e, para tanto, passou por cima de todos os procedimentos legais e jurídicos. Montou uma verdadeira cruzada para sangrar até a morte o governo trabalhista.

Com pouquíssima sintonia com as massas, a UDN costumava lançar mão do artifício do golpismo para se firmar no cenário político. Os udenistas se insurgiram contra Juscelino Kubitschek, apoiaram Jânio Quadros para a presidência e converteram-se em braço civil do golpe militar em 1964. Infelizmente, o discurso radical de direita, que tem como cerne o julgamento moral e agressivo dos adversários, dando ênfase a uma só versão dos fatos e condenando a priori os desafetos, continua vivo na política brasileira.

O espírito de Carlos Lacerda, vez ou outra, reencarna em algumas figuras oposicionistas. Já reencarnou nos petistas, quando estes estavam nas trincheiras da oposição, e, nos últimos anos, esteve presente nas atuações de lideranças tucanas como Arthur Virgílio, José Agripino, Tasso Jereissati e Sérgio Guerra. Mais recentemente, incorporou-se ao candidato do PSDB à presidência José Serra, que parece se sentir confortável vestindo a fantasia de maestro da famosa banda de música da UDN.

Ao se arvorar em líder de uma insidiosa cruzada em nome da moral e da ética na política brasileira em pleno processo eleitoral, José Serra parece ter feito opção por arquivar de vez seu passado de lutas nas filas da esquerda democrática. Dando curso a teses de “golpismo chavista”, de “golpismo contra a mídia” e até disseminando o terror contido na boataria de que a adversária Dilma Rousseff poderia hipoteticamente se insurgir contra a liberdade da prática religiosa, o presidenciável tucano revoga sua biografia e se alinha com o que há de mais obscurantista e odiento na política.

Em paralelo a essa escalada verborrágica de direita, Serra segue com arroubos populistas e apresenta propostas como a do 13º salário do Bolsa-Família (programa antes duramente criticado pelos tucanos), o aumento do salário mínimo além das possibilidades de caixa da Previdência Social e de aposentadorias e pensões além do limite previsto no Orçamento da União.

O discurso moralista do udenismo é nocivo não porque seja pouco relevante a luta contra a roubalheira e pela ética na política. Essa bandeira é de fundamental importância e todos nós devemos defendê-la com vigor, exigindo a discussão séria e aprofundada de uma ampla reforma política, a adoção de mecanismos mais eficazes de controle das ações do Poder Público em todas as suas instâncias e de uma campanha educativa sobre os riscos dessa corrupção endêmica que assola o País. O moralismo desenfreado, passional e histérico da UDN e de seus neo-seguidores é perigoso porque passa por cima dos ritos democráticos e não contempla o direito de defesa das pessoas, julgando e condenando previamente todos os que não estão em suas fileiras. A oposição, nos últimos anos, agiu única e exclusivamente assim: de forma histriônica, sem apresentar qualquer proposta alternativa. Jogou o jogo do poder pelo poder – e só.

Não é saudável para a jovem democracia brasileira que o ambiente político esteja constantemente contaminado pelo fantasma da UDN. O espírito conciliatório do velho PSD deveria dar as caras de vez em quando também. Está faltando à nossa oposição um pouco mais de parcimônia, equilíbrio, espírito propositivo e construtivo de homens públicos que tiveram sua formação política nos bancos do PSD, como foi o caso dos saudosos Mário Covas, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek e, por que não dizer, de meu avô José Martins Rodrigues, líder pessedista na Câmara durante o governo JK.

O Brasil precisa urgentemente de uma oposição forte, consistente e responsável, capaz de ajudar na construção de um País melhor, mais justo, verdadeiramente desenvolvido e com instituições cada vez mais sólidas.

6 comentários:

  1. Subscrevo cada palavra, cada virgula, cada ponto final. Brilhante.

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  2. Não partilho, evidentemente, das saudades de Mário Covas, Tancredo e etc. E não desejo a volta da social-democracia brasileira ao poder.

    Mas me assusto com esse moralismo eleitoreiro que enfraquece o debate e não discute a essência da questão da corrupção, que é a da fiscalização pública e jurídica das instituições democráticas, como enfatiza a autora. Por isso trouxe o post.

    Abraços.

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  3. Q isso Enrico? Desde qdo a essência da questão da corrupção é "a fiscalização pública e jurídica das instituições democráticas"? A essência dessas coisas é um modelo de organização do Estado que faz do tráfico de influência e do clientelismo mecanismos (mecanismos necessários para funcionamento do Estado brasileiro) para o acesso privado aos recursos da burocracia. A falta de fiscalização é consequência disso.

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  4. Me expressei mal. Concordo com você.

    A superação, ou amenização, da corrupção passa fundamentalmente pela "fiscalização pública e jurídica das instituições democráticas". Evidentemente, no fundo da questão, temos um modelo político que favorece o clientelismo, o "rabo preso", o tráfico de influência. Isso desde o financiamento privado da campanha até o próprio caráter da escolha política dos membros do STF. A reforma política, enfim, deve ser ampla, como já defendi aqui.

    Mas concordo, sim, com você. (finalmente, hem).

    Abraços.

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  5. Só não acho que o tráfico de influência e o clientelismo sejam mencanismos necessários para o funcionamento do Estado brasileiro. Isso já adiantando que não tenho uma visam polianesca da política, mas acreditar que esses mecanismos são presentes na maquina pública brasileira e por isso ela funciona, para mim, é acreditar que a política brasileira é baseada puramente em mecanismos corruptos.

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  6. Não, meu caro. Não disse q a política se faz apenas por mecanismos corruptos e nem apenas q ela funciona por isso. O q quis dizer é q tal elemento está presente há decadas na estrutura do estado e é uma das formas para acessar os recursos públicos. É evidente que todos desejamos o mínimo de corrupção possível. Mas o fato q tentei apontar é o de que, dada a estrutura de organização do estado brasileiro, a autonomia de sua burocracia e a fragilidade dos partidos organizacionalmente, o tráfico de influência e o clientelismo são mecanismos pelos quais os agentes privados acessam os recursos públicos. Portanto, o Udenismo, que era o tema, não se justifica, já que em todos os governos brasileiros, seja ele tucano, petista, ou do partido das misses tal elemento estará presente. É, dessa forma, hipocrisia da oposição tratar o tema como desvio de conduta do PT ou de Dilma e não criticar a estrutura do Estado.

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