segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (parte II)

Perdendo a hegemonia política que teve outrora, a Igreja Católica foi aos poucos resgatando suas raízes de tolerância. Se o discurso oficial antes era de conversão, hoje é de união (obviamente com a exceção dos setores mais conservadores). Retornando então para sua característica histórica marcante de mais incorporar as diversas manifestações religiosas do que combatê-las, é comum constatar hoje casos de sincretismo, principalmente em território brasileiro. Salientando também que ainda é facil de encontrar casos de intolerância.


O desenvolvimento de diversas denominações religiosas evangélicas tendo como sua maior vertente o pentecostalismo, de origem norte-americana, a partir dos anos 60 trouxe um novo discurso da experiência religiosa, que se focava mais nas na experiência pessoal do indivíduo. Nessas Igrejas Pentecostais era o fiel o grande ator dos cultos, com a Igreja em segundo plano.

Com o passar dos anos, essas experiência religiosa de origem norte-americana foi se desenvolvendo em território brasileiro e incorporando diversas expressões de cunho cultural e religioso do nosso país e, durante os anos 80, surgiram então os chamados neopentecostais. Essa denominação religiosa tem por principais características a incessante atuação na mídia impressa e televisiva e entre seus maiores representantes a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer.

O maior exemplo de sincretismo pode ser encontrado na Igreja Universal que, dizendo cristã, praticamente não usa a bíblia ao mesmo tempo em que tem forte influência kardecista em seus rituais e a presença das entidades do candomblé afro-brasileiro. Isso sem contar que seus prédios evocam a arquitetura romana com vitrais de santuários góticos e ostenta a estrela de Davi, maior símbolo entre os judeus, ao lado de uma cruz, maior símbolo entre os cristãos.


Se a primeira impressão de todo esse sincretismo seria uma grande tolerância para toda forma de expressão religiosa, não é isso o encontrado em seus cultos. A contradição existente é que ao mesmo tempo em que incorpora manifestações de outras religiões a Igreja Universal as nega. Por exemplo, o principal foco dos seus cultos são os demônios que precisam ser exorcizados dos corpos dos fiéis e esses demônios são todas entidades do candomblé. Desta maneira o candomblé se torna o grande portador de todo o mal e conseqüentemente a intolerância religiosa dos fiéis é destinada para os seus praticantes.

Ao mesmo tempo outro discurso comum pregado nos cultos está na intolerância para com as imagens e dessa maneira os fiéis são aconselhados não só a não ter como a quebrar imagens de outras denominações. Assim a intolerância é destinada novamente para os praticantes do candomblé e também para os católicos. É aqui que chego ao caso que quero tratar e puxo sardinha pro meu lado: o caso do chute na santa. Em 12 de outubro de 1995 um pastor da Igreja Universal chutou, ao vivo pela TV Record, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.




Como pode ser visto a intenção era de ao mesmo tempo demonizar aquela imagem e afirmar que ela não tinha nenhum tipo de poder sobrenatural. Essa atitude teve, ao mesmo tempo, repercussão nacional. Católicos ganharam então um grande espaço na TV Globo, que cobria as comemorações do feriado em Aparecida, para expressar sua indignação.

Assim como na publicação anterior faço uma análise mais pontual: até que ponto esse conflito foi unicamente religioso? A Record começava a se reafirmar como uma emissora nacional de destaque e queria ganhar mais espaço enquanto a Globo começava a ficar com medo de perder sua hegemonia.

Até que ponto esse caso não foi apenas um bode expiatório, uma situação limite, usada para externar a tensão entre as duas emissoras? Mas, até que ponto esse conflito não foi também fruto da tensão entre as duas instituições religiosas?

Esse caso foi um dos grandes responsáveis por acender o debate sobre a Intolerância religiosa no Brasil. Nos dias que se seguiram a Igreja Universal justificava o chute como uma manifestação religiosa jogando para a Igreja Católica a intolerância. Já a Igreja Católica passou a exigir mecanismos judiciais que coibissem aquilo que julgava serem agressões contra manifestações religiosas. Como definir o que é uma manifestação religiosa ou quando uma agride a outra? A discussão sobre isso resultou no Plano Nacional Contra Intolerância Religiosa, tendo o Respeito como palavra chave, lançado por Lula em 2008. Esse caso também foi o estopim para um debate que ocorre até hoje no legislativo com a liderança da bancada evangélica: a extinção dos feriados religiosos.

Continua...

2 comentários:

  1. É quando digo que devíamos voltar ao paganismo!!

    Viva Baco e seus bacanais!!

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  2. "Pastor quer queimar exemplares do Alcorão" - http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/09/pastor-quer-queimar-exemplares-do-alcorao-e-preocupa-casa-branca.html

    Só queria salientar ao comentarista Bizzarro que creio ter deixado claro que a institucionalização é UM DOS fatores para contradições básicas nas quais certas religiões caem, dentre elas, a negação do pressuposto pacífico e a intolerância religiosa, havendo de se considerar, contudo, o contexto mais amplo dentro do qual determinado conflito, ato intolerante ou decisão política está inserido. Se dei a impressão que todo conflito religioso, ou toda intolerância religiosa, é explicada pela institucionalização, que fique claro que eu nunca pretendi expressar isso.

    Abraços.

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