quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Intolerância Religiosa (IV)

Sem sombra de dúvida as maiores vítimas da intolerância religiosa, no Brasil de hoje, são os evangélicos. Não é raro ouvir no ponto de ônibus ou na mesa de uma cantina as dezenas de piadas existentes à respeito da sexualidade ou do modo de se vestir de algumas denominações evangélicas. Assim como a discriminação do uso do véu na França, a discriminação no Brasil se dá para o vestuário de algumas religiões evangélicas que não permitem o uso de calças nem o corte de cabelo curto para as mulheres, com o mesmo discurso de "emancipação feminina" (?) pressupondo, apenas pelo vestuário, que elas seriam subjulgadas e reprimidas.


Frases como "Jura que ele é crente? Mas parece ser tão inteligente!" refletem a consciência coletiva já instaurada de que os evangélicos seriam ignorantes, pouco instruídos e facilmente manipuláveis. E do outro lado, de maneira controversa (creio que devido ao casos recentes de prisão do fundador da IURD Edir Macedo e do casal Hernades, fundadores da Renascer) , a idéia de que todo Pastor seria um charlatão esperando a primeira oportunidade para lucrar com seus fiéis. Sem deslegitmar a prisão dos três, que pelo que parece foi legal, saliento aqui mais uma vez o erro de se generalizar a conduta de milhares de pessoas pelo caso isolado de três delas.

Essa intolerância religiosa parece estar presente em todos os âmbitos: boa parte das pessoas é incapaz de tolerar um evangélico sem alguma reação. Um exemplo recente é do jogador Kaká durante a Copa, diariamente vítima de chacotas à respeito de sua religiosidade e consequentemente sua sexualidade. A qualquer mínima oportunidade ele era de algum modo criticado por suas ações sempre pelo viés religioso.



Na política não é diferente. Muitos reagem com indiganação frente a existência da bancada evangélica no congresso como se, diferentemente da Bancada Ruralista e da Bancada da Bola, ela não pudesse existir. É um erro crasso, como já comentei em outra publicação, confundir o Estado laico com o Estado ateísta. O cidadão evangélico tem o mesmo direito de expressar suas opiniões e razões políticas dentro do campo democrático assim como qualquer um.

A música gospel também é um ótimo exemplo pela intolerância que é recebida. Músicas que pregam as mais diversas ideologias normalmente se não são aceitas, são toleradas em nome da liberdade de expressão. Mas a música gospel, que também prega uma ideologia, normalmente evangélica, nunca é perdoada. Pelo contrário, é usada até mesmo por programas de humor para gerar o riso. Aliás, o riso é o melhor meio de se detectar preconceito. Desde as piadas de judeus e negros até as de pobres e evangélicos, elas são sempre proferidas com tom de superioridade para aqueles socialmente concebidos como inferiores perpetuando as posições de dominante e de dominado. Ao meu ver, a Intolerância Religiosa para com os evangélicos se dá justamente por eles se destoarem da suposta homogeneidade cultural brasileira com fortes bases católicas. Um evangélico se destoa dessa uniformização e, como diria Mary Douglas, representa um perigo. Por representar um perigo é alvo fácil da maioria.


Isso pode ser facilmente percebido nas eleições tanto de 2002 como de 2010: na primeira o candidato Garotinho foi execrado pela mídia assim como perdeu milhares de votos por se denominar evangélico assim como na segunda a candidata Marina evita ao máximo divulgar sua religião ou defendê-la, temendo assim ter o mesmo destino. Por outro lado, Serra fala abertamente ser católico, já tanto FHC como Dilma que supostamente eram ateus passaram também a se denominar católicos. Nosso presidente sempre faz questão de terminar seus discursos evocando Deus ou algum santo. Tudo isso sem nenhum tipo de prejuízo eleitoral.

Ser evangélico no Brasil, hoje, é ser subversivo.

Continua?

5 comentários:

  1. Bela reflexão, meu caro.

    Contudo, cabe ressaltar a intolerância religiosa consequentes de interpretações bíblicas correntes no interior de algumas igrejas evangélicas e de alguns segmentos do catolicismo. Falo da satanização do espiritismo e das religiões afros, que faz com que "militantes da fé" se preocupem de forma exigente, muitas vezes desrespeitosa, com a "salvação" alheia, relegando ao "encardido" determinados hábitos e ritos que devem ser destruídos. Tal leitura chega a influenciar as próprias traduções bíblicas. Há grandes diferenças entre a Ave Maria (católica), a da SBB (evangélica) e a Bíblia de Jerusalém (mais criteriosa). Em alguns trechos, há Bíblias que falam em espiritismo, como se não fosse um anacronismo absurdo.

    Mencionei apenas para ilustrar a amplitude da questão, a qual sei que o escritor deste belo post tem consciência.

    Abraços, meu caro.

    Enrico

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  2. Em primeiro lugar, continua. Em segundo lugar, até quando vão continuar fingindo que o Brasil é um país laico?

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  3. Os evangélicos estão muito bem, obrigado. São praticamente sustentáveis! (parodiando aquele candidato corinthiano: "evangélico vota em evangélico").

    E as religiões afro-brasileiras?

    Importantíssimas na formação do que somos hoje, e apesar de estarem implicitamente misturadas com as religiões que hoje são "mainstream", foram todas jogadas pra marginalidade do bom-imaginário popular. Quando se pensa em muitas delas, logo vem uma mistura de sensações, quase todas ruins (demoníacas, pagãs, seilámaisoquê.)

    Um grande abraço!

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  4. Aoba! tava dando um rolê pelo twitter, achei o link do blog pelo Enrico e acabei chegando nesse post.

    Taí, gostei.

    abraço!

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