sábado, 11 de setembro de 2010

Eleições sem debate?


Meus caros,

A cada eleição que passa, o Horário Eleitoral mais se aproxima de telenovelas ou séries, com efeitos especiais, suspenses, discussões acaloradas, piadas, apelos emotivos... Falta só o debate político.

O próprio debate entre os candidatos em raros momentos toca em questões relevantes. Por exemplo, Dilma é perguntada sobre o aborto. "Nós temos uma lei de proteção da mulher e uma lei do aborto. É preciso encontrar um equilíbrio entre as duas." Ok, mas o que isso quer dizer? O que é esse equilíbrio? O que o governo federal vai propor ao Congresso a esse respeito? E, se não propor, como vai reagir caso chegue ao Executivo um projeto de lei aprovado pedindo a legalização?

Outro exemplo é José Serra, quando perguntado sobre se pretende realizar alguma privatização. "Eu nunca privatizei nada quando ocupei cargos no executivo". E daí? Não foi essa a pergunta. Você pretende ou não privatizar os Correios, por exemplo? Vai conceder as estradas federais à iniciativa privada? Responda à pergunta, oras.

Serra e Dilma, aliás, quando perguntados por Plínio sobre a desapropriação de terras de latifúndios com mais de mil hectares, adotaram posturas não muito diferentes. O tucano disse: "O Brasil tem terras sobrando, não vou arrumar sarna pra me coçar." Terras sobrando? Onde? Terras devolutas já quase não existem. Se a idéia é passar ao trabalhador as terras improdutivas do interior dos latifúndios, explique então como será feito. Ou então evoque Roberto Campos para contradizer esse modelo de pseudo-reforma agrária. A Lady Lula, por seu turno, respondeu que pretende dar continuidade à política de assentamentos. Uma política lenta que assentou menos que o governo FHC.

E por aí vai. As questões que entram em um nível um pouco mais profundo ficam sem respostas. Privatizar ou não? Por que privatizar ou por que não privatizar? Qual é seu plano para o Pré-Sal? Quais são os limites do Bolsa Família? Quais os empecilhos para um reforma tributária progressiva? Como lidar com o rombo da previdência?

Essas e outras questões pouco vieram à tona até agora - e, quando vieram, foram nos debates, e nunca devidamente respondidas. O horário eleitoral, que seria o espaço para aprofundar com mais tempo alguns temas, fica restrito a cinco tendências principais:

- A luta dos cabos-eleitorais (e aqui Dilma tem Lula, o mais forte deles);
- A luta das biografias (a principal aposta de Serra no início da campanha);
- Acusações éticas visando denegrir o outro (corrupção, dossiê, receitagate, etc.);
- Discursos e cenas emotivas (trabalhadores emocionados, chorando na propaganda de Dilma; Serra emocionado, dizendo que nunca recebeu tanto carinho do povo na vida);
- Promessas pragmáticas que não discutem a essência das questões (quantos empregos, hospitais e escolas serão criados; como vai ser a expansão do Bolsa Família; etc.) - tudo aquilo que não será cumprido na mesma medida em que foi prometido.



Parece ser utópico esperar discussões acerca dos temas. Já há algumas eleições que apenas os candidatos "que não têm nada a perder senão seus grilhões" puxam esse tipo de discussão. Basta ver os debates de 1989, e até de 1994, para ver o quanto se perdeu depois disso. O que significa essa tendência ao discurso vazio?

Significaria que, em muitos momentos, em especial no período eleitoral, o marketing se sobrepõe à política, forçando os partidos que concorrem a adotar estratégias defensivas, escondendo qualquer coisa que possa soar como impopular?

Ou significaria que essas questões são secundárias frente ao fetiche pelo poder, por parte dos partidos?

Ou significaria então que os projetos dos dois principais candidatos não são tão diferentes assim, tendo apenas algumas diferenças pontuais e operacionais?

Ficam algumas hipóteses, e algumas questões.

Abraços e bom final de semana.

2 comentários:

  1. A arte da retórica vazia. É o tipo de discurso que vemos hoje. Todos candidatos falam muito, mas não falam nada realmente consistente.

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  2. Excelentes pontos colocados meu caro amigo.
    Apesar de eu acreditar que o tempo naturalmente politiza a sociedade, o que assistimos hoje é uma banalização do discurso eleitoral e das propostas de governo, mesmo a alguns anos após a retomada da democracia. Como o anônimo colocou, é a arte de falar muito sem dizer nada.
    Nenhum dos candidatos querem expor suas idéias e por em risco uma parcela do eleitorado conquistado. Com isso, o que vemos nos remete a uma grande novela, onde o desespero bate cada vez mais na oposição do governo atual.

    Abraços

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