quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Universidade Pública e Sociedade

Boa noite, leitores afáveis.

Nestes tempos chuvosos que assolam o estado de São Paulo, venho discutir algo que nada tem a ver com o clima. A questão que venho expor é resultado de devaneios que me perseguem desde que iniciei meu curso superior. Eis o dilema: quando ando pelos corredores da biblioteca de minha amável faculdade, me assombro ao tentar calcular a quantidade de livros que há nela - muitos deles, no caso, discutindo os problemas sociais e propondo soluções.



Pois bem, se não falta quem estude esses problemas e proponha soluções, porque, em termos de estrutura social, não há mudanças relevantes a partir desses estudos?

Há, claramente, um abismo entre a intelectualidade e a práxis social. As universidades, os teóricos da sociedade e suas fórmulas inovadoras, os catedráticos em suas salas empoeiradas... fecham-se todos em uma bolha que isola do mundo real uma elite que se arroga saber a realidade do mundo e o sentido da vida (quando não se dedica a provar a inexistência deste último).

Em suma: os estudiosos da sociedade fecham-se em si mesmos e não retornam à sociedade as cifras investidas neles. Não creio que seja culpa deles - a extensão universitária não é valorizada e o governo pouco se apropria dessas teorias em suas políticas públicas. (Há, aqui, a importante discussão se a teoria deve ser construída em função de sua futura práxis ou não. Não acho que deva ser assim, mas acho que os resultados das pesquisas poderiam contribuir mais aos projetos políticos. Estes, no entanto, se voltam mais a interesses particulares e mercadológicos que ao interesse público). Em última instância, ocorre que os resultados tidos de uma estrutura pública, na qual a sociedade investe muito, pouco retorna à própria sociedade.



Por outro lado, a estrutura universitária é mais privilegiada nos cursos em que o mercado está fortemente presente (engenharias, computação, química, etc.). Nesse caso, há um outro problema grave: a estrutura universitária pública, bancada pelo contribuinte, é utilizada em favor do mercado, que direciona as pesquisas e se beneficia de seus resultados. Assim, as pesquisas são guiadas não pelo "bem público", mas pelas empresas que investem. Os resultados não se dirigem à sociedade, mas à essas mesmas empresas e seus acionistas, que enriquecem com as novas descobertas da Academia.

Temos, assim, um paradoxo: de um lado, muitas pesquisas são direcionadas à própria elite intelectual, e não se estende à sociedade. De outro, muitas pesquisas saem, sim, da Academia, porque são direcionadas por empresas privadas, e não pelo interesse público. Em ambos os casos, o alto valor investido nesses meios me parece mal aproveitado, uma vez que se trata de um investimento da sociedade.

Do que se trata, afinal? De má vontade dos reitores? Do próprio modelo da universidade? Ou da forma como os governantes se apropriam desse espaço? Os centros acadêmicos não páram de atacar o governo estadual - e com razão. Mas será ele o único alvo? Ou o buraco é mais embaixo?

Reflitam e comentem. Um abraço, meus caros.

Do seu velho Casmurro.

3 comentários:

  1. É Casmurro... esse é um tema que me preocupa também...

    Só discordo em um ponto:
    Acho que o conhecimento, mesmo nas ciências humanas deve ser sim mais utilitarista.
    Não acredito que se deva fazer conhecimento apenas para o conhecimento de poucos, como é hoje.
    Ainda que as pesquisas não geram sempre uma ação imediata (uma política pública ou coisa que o valha), acho que precisam ter seus resultados expandidos/divulgados, seu acesso deveria ser mais fácil, afinal estão sendo pagas por milhares de pessoas...


    Aproveito pra critiar a arrogância da Academia em achar que ninguém fora da bolha tem capacidade para entender sua "produção".

    Outro ponto é: será que a linguagem quando exageradamente rebuscada já não gera um afastamento do público que deveria ser o alvo? não é já um meio de criar uma diferença Intelectual X Prática? (Crise, pois estou escrevendo relatório..)


    Quanto a achar o culpado, já não sei bem como ajudar...
    Creio que desta vez a responsabilidade não possa ser colocada nas costas dos reitores não, tenho a impressão que o buraco é BEM mais embaixo...

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  2. Minha criação atormentada pelo ciúmes doentio. Posso dizer que é de extrema pertinência seu post, fico até com receio o que o famigerado cão escreverá depois desta análise.

    Apesar de eu apoiar que as teses sejam em linguagens rebuscadas e que elas sejam até mesmo útópicas, é em minha única opnião problema estatal que as teses sejam utilizadas. A Universidade Pública é de domínio do governo humano, logo é através do aparelho estatal que deve ser feita a mediação de teses de qualquer área para a sociedade. Usarei o exemplo de como faço chegar minhas palavras a vocês. Apesar de qualquer um de vocês terem acesso a minha palavra em diversos idiomas, é principalmente através dos senhores da retórica, padres, bispos, pastores, que principalmente os meus valores são passados a vocês.

    Logo, creio que é principalmente da responsabilidade do Estado humano, organizar, usar e mostrar a necessidade de estudo dentro da Universidade publica, para melhor servir a sociedade que não têm apenas carência espiritual, mas possui carências das mais diversas.

    Não vou demorar mais pois não desejo inspirar um Salmo.As coisas aqui no Céu estão um pouco complicadas, tenho que conversar com São Pedro a respeito das mudanças climáticas.

    Fiquem comigo!

    O que tudo vê!(logo tire a mão do mouse quando ler minhas palavras).

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  3. Vejo complexidade neste assunto, e uma culpa distribuída em parcelas.
    A sociedade carece de ações concretas, de teorias exteriorizadas. As crianças más alimentas, e as famílias do MST taxadas de inverdades muito baixas, por exemplo, anseiam por isso... Enquanto os livros empueiram nas estantes, na mesa de um quarto mofado, ou na cabeça de um estudioso numa bolha, seja por escolha própria ou pelas mãos opostas a sociedade.

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