sábado, 11 de abril de 2009

É (quase) Páscoa!



Saudações pessoas!

O tema de hoje é religião,
Hoje é véspera de páscoa.
Logo, falarei sobre isso.

Estamos no meio do feriado,
Sou demasiado preguiçoso.
Logo, colarei um texto aqui.

Espero que gostem do texto tanto quanto eu.
Com vocês, alguém que definitivamente sabe o que diz: Frei Betto.

TRAVESSIA

"Quem ainda brinca de criança no domingo de Páscoa e esconde ovos de chocolate no jardim? Resta em nós uma perene idade da inocência.
A ternura denuncia a veracidade do amor, sublinha Milan Kundera. Recôndito no qual evocamos, nostálgicos, as missas de domingo, as procissões sob andores cercados de velas, o toque salvífico da água benta, o silêncio acolhedor de igrejas que o gótico não teve vergonha de desenhar como vulvas estilizadas.

Jesus ressuscitou! - celebra esta festa de aleluias.

Ainda que a razão não alcance a dimensão do fato pascal, a intuição capta a crise da modernidade a nos induzir a um mundo sem mistérios e enigmas. Mundo sombrio, onde os mortos se sobrepõem aos vivos.

Até o advento do Iluminismo, a inteligência recendia a incenso. Copérnico e Galileu decifraram a harmonia da natureza como reflexo do Criador, e Newton acertou seus cálculos pelos ponteiros dos relógios das catedrais. Depois, o dilúvio inundou os claustros. A razão irrompeu soberana, relegando à superstição tudo que não fosse mensurável. Então, o mistério aflorou.

De que valem perguntas quando se julga possuir todas as respostas? Voltaire e os enciclopedistas ousaram secularizar a inteligência e, mais tarde, Baudelaire e Rimbaud tatearam ávidos em busca de um Deus capaz de aplacar-lhes a sede de Absoluto. Dostoiévski revestiu-se da figura emblemática de Jesus, despiu seus monges das vestes eclesiásticas, escancarou-lhes a alma atormentada pelos demônios da dúvida.

Nietzsche roubou o fogo dos deuses e incendiou de liberdade o espírito humano. Sartre proclamou que o inferno são os outros e erigiu o absurdo da morte em ato final que destitui a vida de qualquer sentido.
Entre angústias e utopias, o último século foi também marcado pelo enigma Jesus. Corações e mentes o acolheram como paradigma: Claudel, Simone Weil, François Mauriac, Chesterton, Péguy, Graham Greene, Alberto Schweitzer etc. No Brasil, Murilo Mendes, Sobral Pinto, Gustavo Corção, Tristão de Athayde, Hélio Pellegrino etc.

Hoje, pavores transcendentais já não atribulariam a alma poética de um William Blake. Entre tanta miséria, esvai-se o encanto. Jesus é Deus que se fez homem e, de homem, virou pão. Pai Nosso/pão nosso. Esta concretude assusta. A fé cristã não proclama a ressurreição da alma, mas "da carne". Jesus não é a figura do Olimpo grego enaltecida pela força irrepresável da literatura. É o judeu crucificado, por razões político-religiosas, na Palestina do século I, e cujas aparições, como ressuscitado, contradizem as regras da ficção literária. Que autor criaria um personagem imortal com chagas nas mãos e ansioso por comida? As narrativas evangélicas são, tecnicamente, descrições de um fato objetivo. À luz da fé, proclamação de que Jesus é o Cristo.

Antes de cair em mãos da repressão que o assassinou, Jesus fez-se comida e bebida. Poeta e profeta, dominava a linguagem realista dos símbolos. Eis aqui o desafio atual à inquietude da inteligência. O pão repartido passa a ser corpo divino; o vinho partilhado, aliança feita com sangue e prenúncio da festa sem fim. O Deus de Jesus não é um velho Narciso à cata de adoradores nem um algoz irado com os pecadores. É Abba, o pai amoroso ("mais mãe do que pai"), cujo dom maior é a vida.

Já não temos as longas guerras que inquietaram espíritos como Tolstoi e Camus; o que vemos, de Bagdá a Guantánamo, é escabroso comparado à engenharia marcial dos exércitos em conflito: a estrada rumo ao futuro palmilhada de corpos degradados e famintos. Hoje, tropeça-se na rua em seres esquartejados em sua dignidade. Todos os discursos oficiais e todos os ajustes fiscais ofendem a condição humana por exaltarem a concentração do lucro e ignorarem a partilha da vida. Em sua hipocrisia, o sistema salva sua aura cristã e exclui o pão. A metafísica monetarista estabiliza moedas e desestabiliza famílias; reduz a inflação e aumenta a miséria; socorre bancos e multiplica o desemprego; abraça o mercado e despreza o direito à vida - e vida em abundância, para todos.

Agora, a globalização despolitiza, o esoterismo desculpabiliza e o consumismo individualiza. Livres de ideologias messiânicas, de culpas aterrorizadoras e de altruísmo coletivo, estamos à deriva neste início de século, cujas pitonisas proclamam que "a história acabou".

Páscoa é travessia - também para uma ética política, que torne o pão acessível a cada boca e, o vinho, alegria em cada alma. Somos nós que, em vida, precisamos ressuscitar as potencialidades do espírito, premissas e promessas de uma verdadeira dignidade humana. Num misto de Marcel Proust e Caçador da Arca Perdida, necessitamos urgentemente empreender a busca da consciência perdida, onde a solidária indignação contra as injustiças tenha cheiro de madeleines apetitosas. Caso contrário, seremos engolidos por esses simulacros de pirâmides - os shopping centers - que sequer têm estrutura para contar à posteridade quão grande foi a pobreza de espírito de uma geração que tinha, como suprema ambição, meia dúzia de engenhocas eletrônicas."

9 comentários:

  1. Querido Quincas,

    só pra constar: sua preguiça caiu como uma luva.. o texto do Frei Betto que trouxe pro Beco é genial! Inteligente, longe de tentar "conversões baratas", crítico ao sistema, à formas de religiões, a tal globalização, etc... enfim... muito bom!

    Beijo!

    ps.: a "vovó-coelha" é muito massa também! rs

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  2. Bravíssimo!

    Mas... querida Colombina, é FODA pensar em Páscoa, Natal, etc. e não se questionar, vendo os mercados cheios, as crianças mimadas gritando e exigindo (sim, elas não pedem mais...), e muitas crianças que não entendem o que comemorar, como fazer, não sabem quem é o Judas pra socar o boneco, não acreditam num Deus que os falta muitas vezes, mas ganham um ovo de doação do tamanho da sua mãozinha e acham o máximo!

    =/

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  3. Infelizmente Páscoa virou o feriado para se comprar o bacalhau mais fresco, a colomba com mais chocolate, o ovo recheado que não haviam criado no ano passado, entre outras frivolidades

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  4. Eu particularmente adoro o bacalhau fresco, a colomba e simpatizantes da boa comida na Páscoa.

    Cadê Deus para falar que eu estou errado?

    Enquanto ao texto meu caro Quincas, sua preguiça foi brilhante.Não preciso parafrasear nada, o espírito da Páscoa travestido de uma mudança humana e independente da religião foi de fazer um cético como eu refletir.

    Um ótimo feriado a vcs!

    Em breve terei meu espaço!

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  5. eu quase fico sem o que dizer. porque as vezes. bom, as vezes eu me esqueço que não é preciso ser atéia pra estudar um autor ateu. e eu não sou.

    eu preciso disso. eu preco desse tipo de reflexão. todos os dias, mas obrigada por tê-la proporcionado hoje.

    boa páscoa.

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  6. Caro Quincas,

    Fantástica "colagem" que nos trouxe.
    Que, acima de tudo, a Páscoa - passagem - seja a travessia deste mundo de morte que o homem contemporaneo vem contruindo, para o mundo da vida em abundância, onde, conforme o próprio texto trazido, se "torne o pão acessível a cada boca e, o vinho, alegria em cada alma."

    Uma ótima Páscoa a todos!

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  7. Estou com o Casmurro e não abro!!!

    Beijos a todos nesta Páscoa!

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  8. O que há de brilhante no copiar e colar??????????????????????????????

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  9. Deixem de ser hipócritas.

    Blargh...

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