quarta-feira, 29 de abril de 2009

Machado de Assis e a Poesia

Boa noite, amáveis leitores.

Inicialmente, peço que me perdoem por saudação tão falsa. É errôneo denominá-los "amáveis", uma vez que o objetivo do blog que vos é exposto é justamente a polêmica, quando sadia e impessoal. No entanto, a falsidade vem permeando os últimos dias de minha simplória vida, e acredito que fui levemente contaminado. Exatamente o contrário da famosa "gripe suína", cujo contágio não pode ser caracterizado como leve e cujas novidades vêm se constituindo assunto quase único nos veículos comunicativos, dividindo seu espaço na imprensa apenas com o último gol de Ronaldo, que já causa-me enjôo.

Após introdução não tão breve e pouco necessária, vamos ao assunto do dia: literatura.

É quase unânime a opinião de que Machado de Assis é o maior escritor da história de nosso país, e não hesito em fazer tal afirmação (aguardo críticas nos comentários). Admiro, quase tão intensamente, Drummond, Graciliano Ramos, João Cabral de Mello Neto, Oswald de Andrade e tantos outros. Mas Machado de Assis possuí uma escrita incomum, simultaneamente clara e profunda; uma forma de dialogar com o leitor que torna suas obras instigantes do início ao fim; uma capacidade extracomunal de tratar psicologicamente seus personagens, de forma tão complexa quanto realista (sobretudo no período em que se identificou com a escola literária que leva tal nome); um olhar magistral sobre o contexto sócio-histórico em que se passa a trama, presenteando o leitor com reflexões conjunturais quase que sociológicas; possui, por fim, uma sensibilidade incrível para, nos momentos exatos, trazer digressões fenomenais que, ao mesmo tempo, auxiliam na interpretação interna da própria obra e propiciam ao leitor reflexões às suas próprias vidas. Inegavelmente, trata-se de um escritor cuja genialidade ainda está por ser superada.

No entanto, o que pouco se fala sobre ele é sua produção poética. Principalmente em sua fase romântica, Machado escreveu, sim, poesias, que raramente nos são ensinadas no Ensino Médio, e, pouco provavelmente, na graduação (excedendo-se àqueles que se dedicam ao estudo da liguagem; mais precisamente, à literatura). Sabemos que a poesia machadiana não é tão brilhante quanto sua narração. Não deixa de conter, todavia, a presença incomum da beleza literária do autor. Por isso, trago-lhes alguns versos, visando adocicar vossa semana.



Os Dois Horizontes (Machado de Assis)

Dois horizonte fecham nossa vida:

Um horizonte, – a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, – a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, – sempre escuro, -
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, – tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.



Por hoje, encerro. Sintam-se à vontade para comentar.

Um abraço,

Bentinho

8 comentários:

  1. Não gosto de poesias, mas você tem razão: nunca me aprofundaram nas poesias de Machado de Assis; acho que na verdade pouco comentaram durante minha fase do cursinho. Quanto poeta, acho que anda prefiro Manuel Bandeira, mesmo eu não gostando de poesias.

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  2. é realmente um lado de Machado pouco explorado, inclusive no centenário de sua morte não houve graaaaandes abordagens...

    fantástico Bentinho!


    p.s.: não se deixe contaminar pela falsidade!

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  3. Muito bom o post...

    vejo que as crises de indentidade começam a ocorrer nos personagens do Beco..

    Não tardará quando o Bentinho que vos fala...se tornará enfim um Casmurro (veja pelo lado bom!)
    rs

    Em relação a poesia de Machado, ainda fico com os seus livros...

    No meu ver são simplesmente boas as poesias...

    nada mais

    Abraços a todos!

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  4. Machado foi a minha criação mais completa da literatura brasileira.Bom meu caro Bentinho, seu destaque para uma área pouco conhecida do autor.

    O que tudo vê.

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  5. Como poeta era mediano, só isso. Como romancista era MARAVILHOSO... Por isso não se destacam suas poesias.
    Se és tão fã deste autor deveria ter escolhido personagem com mais força em meio a rica obra machadiana. O Bentinho era um inseguro. Mil vezes Quincas Borba.

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  6. Concordo com o anônimo na parte do romancista maravilhoso!Mas desprezar a poesia machadiana com o mediano foi foda!

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  7. Não é desprezo. Ao contrário, aprecio esse autor como a nenhum outro. Mas toda a fortuna crítica está errada e o ateu certo? O próprio Machado se condena. Informe-se.

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  8. quero saber o sentido da poesia dois horizontes

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