segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

À Procura da Felicidade

Cinema e política vêm traçando uma relação de intimidade com o enriquecimento ilimitado da sétima arte. Seja hollywoodiano ou alternativo, todo filme (ou quase) têm tido, intencionalmente ou não, um caráter político, no sentido de trazer um posicionamento ideológico frente ao contexto em que se passa. A indústria cinematográfica de maior investimento e público, obviamente, também está preenchida com esse tipo de postura. E, nesse caso, atende a interesses que já sabemos quais são.

Filmes aparentemente inocentes, como o Homem Aranha, não estão livres dessa situação. Basta ver, por exemplo, no final do primeiro filme do justiceiro aracnídeo, a cena em que o nosso herói “voa” próximo à uma bandeira estadunidense enquanto relembra a frase, dita por seu tio: “um grande poder traz grande responsabilidade”. Curiosamente, o filme é de 2002, ano da invasão ao Afeganistão e vésperas da invasão ao Iraque por parte de nossos irmãos do norte. Sim, é o contexto inicial da briga dos nossos salvadores contra o dito “eixo do mal”.
Outros tantos exemplos de sutis transmissões dos valores economicamente e politicamente dominantes poderiam ser dados. Quero me ater, no entanto, a um tipo ideal do cinema hollywoodiano enquanto instrumento de reprodução ideológica capitalista: o filme “À Procura da Felicidade”.

É uma história realmente emocionante: o protagonista (Will Smith) vive numa situação de pobreza. É autônomo, mas seu produto está em baixa. Sua esposa, lavadeira, foge de casa, e ele fica sozinho com o filho, sem fonte alguma de renda, fora seu produto de difícil mercado. Seu sonho: ter uma vida mais digna. Sua dúvida: por que a constituição americana traz que o indivíduo tem direito à “procura pela felicidade” e não à felicidade mesma?



Mas ele vai à luta. Após ver um corretor de ações com um carro caríssimo, este ofício passa a ser seu sonho. Ele é aprovado na entrevista na empresa em que o tal homem trabalha. Começa um estágio não-remunerado, no qual precisa se sair bem durante seis meses para ser efetivado. Nesse tempo, passa manhã, tarde, noite e madrugada de esforço contínuo para conseguir tal feito: precisa cuidar de seu trabalho fracassado como autônomo, seu estágio promissor, seus problemas financeiros e da educação de seu filho. São seis meses de aflição, de miséria, de luta, de dor, de problemas, de noites mal dormidas, de leituras... até que: ele consegue!! Sim, ele é aprovado no estágio, mesmo sendo um negro pobre, concorrendo contra brancos mais bem dotados financeiramente. É lógico que ele conseguiu: porque todos têm direito de buscar a felicidade. E ela está de portas abertas a todos que realmente tentam. Os Estados Unidos dão oportunidades à todos.

Muito bem, esta é a mensagem do filme. Vamos a uma breve crítica:

- O protagonista não problematiza a origem de sua situação de pobreza em momento algum: ele não questiona um sistema desigual, pelo contrário, o que mais almeja é estar no topo desse sistema;

- Como é recorrente nos filmes americanos, temos o “self-made man”, como se a mobilização social fosse uma mera questão de força de vontade, o que é evidentemente falso. Além de um esforço desumano e, em muitos casos, uma auto-exploração, nem sempre os que se submetem a isso conseguem o feito;

- A conclusão do protagonista, nas entrelinhas, para seu questionamento quanto à constituição é de que, a felicidade se dá em seu próprio ato de procura. Ou seja: a luta pela ascensão social é o espaço de construção de felicidade. Neste caso, a desigualdade social foi fundamental para que ele fosse feliz;

- A noção de felicidade é, no filme, sinônimo de fartura financeira.

Haveria muito mais a falar e aprofundar, mas fico por aqui, pois já escrevi muito mais que devia.

Opinem.

Beijos à Capitu, abraços aos amigos e um gesto obsceno a Escobar.

Boas férias a todos.

10 comentários:

  1. Tinhas de ter comentado sobre a série que narrou a sua vida naquela rede de televisão conhecida.

    ResponderExcluir
  2. Olááá!

    Meu, acho incrível esse tipo de sutileza. Sem uma reflexão mais aprofundada - tá ok, sem reflexão alguma - este filme é uma auto-ajuda: vamos viver nossas vidas com garras, sejamos felizes na luta, um dia chegaremos lá e seremos premiados!

    Não acredito piamente que os diretores e roteiristas façam esse tipo de filme com o objetivo de domar a massa, controlar uma revolta social que bate às portas , mas por que queremos ouvir isso. Queremos sair de uma sala de cinema ou desligar o DVD pensando que tudo pode mudar, tudo pode melhorar, que podemos tudo. Ninguém quer se colocar a tarefa de ver e lembrar, em seu momento de lazer ou qualquer outro, que somos um tipo ímpar, destruidor, calculista, frio, capaz das piores artimanhas. Não queremos terminar um filme sentindo vergonha de existir e de sermos humanos.

    Isso pra mim por si só já é o absurdo maior. Quem tem condições de refletir simplesmente se nega a tanto, qeuremos acreditar que está tudo bem, e continuamos nossas vidas...

    ResponderExcluir
  3. caro Quincas,
    tal postagem passou-me à cabeça, mas considerei-a inviável posto que não assisti à série na íntegra. Caso saibas onde posso encontrá-la no mundo virtual, a fim de que este vosso velho colega literário possa desfrutá-la em totalidade, avise-me por obséquio.

    Grato

    ResponderExcluir
  4. Confesso que tenho um grande preconceito por tal rede e por isso não assiti nenhum episódio.

    ResponderExcluir
  5. Meus caros colegas podem assistir a tal série, de tal emissora, nó próprio site da emissora ou no nosso querido You tube.Creio que a crítica só é viavél quando se conhece bem do que se crítica.Creio que apesar de tudo tal emissora de vez em quando acerta em fazer algo bom e que deve ser divulgado.

    ResponderExcluir
  6. caríssimos, o filme é realmente ótimo, a atuação de smith é notável! quanto às questões levantadas, não deixa de ser um filme comercial, cuja mensagem é realmente "o quanto é possível chegar lá com muito esforço"... diria que é o tipo de filme pra se assistir sem muitas expectativas...

    e digo mais! é difícil ver filmes norte-americanos que critiquem o sistema, meus caros...

    ResponderExcluir
  7. já que esse post deu espaço a comentários que não lhe dizem muito respeito, aproveito o espaço para me defender e defender a minissérie que levou meu nome... a produção foi muito bem feita (apesar do final ter sido um pouco mais tendencioso do que desejava), indico a todos!

    e querido Bentinho, saiba que eu é que estava à procura da minha felicidade...

    ResponderExcluir
  8. Colegas,
    só para não passar em branco.
    Assisti à boa parte da série acima mencionada. Perdi apenas o desfecho, mas do que assisti achei uma excelente produção. A fotografia é muito boa, os atores foram excelentes (sobretudo o que interpretou Dom Casmurro velho narrando) e a fidelidade à obra foi exemplar, apesar dos inevitáveis tendencionismos.

    Em suma: gostei.

    Quanto ao filme temático do post, não exibi os pontos positivos não porque não os veja, mas pela necessidade de ser breve. Mas concordo que Will Smith e seu filho fizeram um excelente trabalho e, do ponto de vista romântico, o filme é bastante emocionante, já que vemos que todo o sofrimento pelo qual o protagonista passa é por amor a seu filho, o qual deseja ver tendo uma vida mais digna que a que vivem.

    O que quis ressaltar é como certos valores políticos já estão, intencionalmente ou não, enraizados na produção hollywodiana, embora consigamos encontrar poucas, mas ótimas, exceções, das quais teremos outras oportunidades para discorrer.

    Um abraço,

    Bentinho

    ResponderExcluir
  9. Ta aí... parece que sempre que ouço falar do tal filme rola uma discussão...rs

    Essa idéia de que podemos tudo se nos esforçarmos é realmente um ponto que incomoda muito.
    É fato que não dá pra encostar e esperar cair do céu... mas daí a essa imagenzinha você pode tudo que quiser.. é um absurdo! (isso é uma canção da Xuxa, lembram?)
    Me lembrou aquela coisa do "segredo"...

    Sobre a série Capitu, eu achei linda! embora o fim não tenha sido bem o que esperávamos..
    O Beirut de trilha sonora foi demais!

    ResponderExcluir
  10. Pois é. Essa educação politica de que "você consegue tudo o que quiser, basta se esforçar" é muito forte atualmente. Não sei se as pessoas preferem acreditar nisso para terem uma esperança ou outra coisa. Filmes como este ajudam a propagar esta mentalidade, o que acaba me preocupando.

    ResponderExcluir