quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Literatura infanto-juvenil e Religião


Nesta bela e ensolarada quarta-feira, me arrisco a falar sobre literatura. Embora eu goste muito de ficções, a crítica literária está longe de ser minha maior área de afinidade (contradição de alguém se vale da alcunha de um personagem literário clássico). Decidi não abordar aqui nenhum grande clássico. Vou dedicar minhas palavras a uma breve dica: a trilogia Fronteiras do Universo.

Aparentemente, é uma obra infanto-juvenil descompromissada, a la Harry Potter. Passa-se num universo paralelo, muito parecido com o nosso mundo, com três diferenças fundamentais: a alma humana é exteriorizada na forma de animal – os chamados deamons –, a Reforma Protestante não aconteceu e a Igreja Católica mantém seu poder temporal em pleno século XX.

Com viagens entre universos paralelos, personagens mitológicos, alianças políticas complexas, disputas violentas por poder e uma protagonista que mistura inocência e malícia de forma incrível, a obra nos prende de maneira fascinante e, a todo momento, nos impele a pensar nossa própria realidade.

No decorrer da trama, se revela uma dura crítica ao fundamentalismo religioso e ao poder político das instituições religiosas, mostrando, em última instância, a necessidade de uma união universal de oprimidos de todos os povos para superar as instituições que geram opressão e dominam as consciências. E essa luta ocorre em âmbito universal. O resultado almejado é a libertação de todos, inclusive após a morte (representada de maneira muito diferente de qualquer religião), na luta contra a alienação (tanto no sentido vulgar quanto no marxista). A descrição dispensa citações sociológicas.

No cinema, o primeiro livro da trilogia – A Bússola de Ouro – ganhou caráter excessivamente infantil e a crítica à Igreja é bastante amenizada. Não é um filme que eu recomende, ainda que seja estrelado por velhos conhecidos como Nicole Kidman e Daniel Craig.

Lanço algumas questões:

    • Quais são os impactos de uma obra infanto-juvenil criticar duramente a concepção religiosa e – nesse caso – o próprio Deus (que na trama é o grande vilão), dado que a enorme maioria do mundo possui alguma crença transcendental?

    • O fundamentalismo religioso é, justamente, merecedor de críticas, principalmente nos casos em que grupos religiosos detém poder político (catolicismo na Idade Média, paises do Oriente Médio, etc.). Isso significa que, necessariamente, uma instituição religiosa que detenha poder político trará resultados perversos? (é interessante verificar se é possível uma analogia com povos “primitivos” em que poder religioso se confundia com o político)

Não vou me posicionar, apenas lanço as questões. E deixo uma dica aos amantes da leitura para as próximas férias. É um livro de fácil leitura, que começa infantil mas ganha um caráter até mesmo sinistro em seu desenrolar.




5 comentários:

  1. De início, acredito que toda obra infanto-juvenil mereça atenção sobretudo por ser uma forma de incentivo à leitura, como Bentinho mencionou, Harry Potter trouxe, pelo menos, essa ânsia de leitura em grande parte da molecada por aí, bem como Senhor dos Anéis, o que é ótimo!
    Quanto às questões levantadas, acho que não podemos esperar grande crítica ou um posicionamento muito fundamentado dos jovens leitores, mas, de fato, algum tipo de reflexão.

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  2. minha questão, que nao consegui expressar direito, é a seguinte: muitos teólogos (ligados ou não à igreja) concordam que a construção de determinada imagem de Deus pode ser socialmente e psicologicamente prejudicial ("o ópio do povo"). Da mesma forma, a imagem de um deus "mau" que o livro veicula, não poderia resultar em outros tipos de problema?

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  3. Acredito que por mais que esses jovens já tenham sua opção religiosa, é interesse que haja, em algum momento, uma reflexão a respeito... Ora ou outra isso acontecerá...
    Claro que isso pode ser impactante como diz que o livro trata (particularmente não li o livro), mas acho que toda desconstrução tem seu lado positivo, seja para rever seus conceitos, seja para reafirmá-los.
    A igreja, a religião, a imagem de Deus, sempreeeeeeee acarreta inúmeras discussões! Rs!

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  4. Mistério.
    Essa é a graça.
    Cheia de graça.
    Misteriosamente toda ação é ação carregada de política como educação da cidade, ou da comunidade e assim é legada ao Mistério, a função de promover a fuga de tudo o que restou do processo. Essa fuga (figa) é linda, já que queremos na maioria da vezes preservar a espécie.
    Conviver apenas com ações políticas e racionais gera cansaço mental pouco suportável, portanto, uma poética mística sempre é um passeio interessante pela magia do desconhecido.
    Como é bom imaginar e encontrar uma solução questionável.
    Até o Mc Donald's ama tudo isso.
    Ao vencedor, a buchada de bode... Rs
    Eurípedes

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  5. O autor desse livro deve ser fã do Foucault.

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